Folha de S. Paulo


PT esquece que o passado são eles, diz Fernando Henrique Cardoso

Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o PT erra ao apelar para uma estratégia que compara o atual momento com o passado, porque na última década o país foi governado justamente pelos petistas.

Na semana passada, o PT utilizou seu tempo na TV para transmitir a mensagem de que, com uma eventual vitória da oposição, haveria retrocessos no país do ponto de vista social e econômico. Os adversários da presidente Dilma Rousseff classificaram a estratégia como "terrorismo eleitoral".

"Essa história de jogar a culpa no passado já passou. O passado são eles", afirmou Fernando Henrique à Folha, durante visita a Israel. Além disso, ao dizer que o desenvolvimento do país é uma conquista das gestões de Lula e de Dilma, o governo precisa explicar, diz o ex-presidente, a situação atual. "Eles têm de explicar por que a economia está tão baixa."

Fernando Henrique viajou a Israel para receber um doutorado honoris causa pela Universidade de Tel Aviv, que elogiou durante a cerimônia, na quinta-feira (15), os estudos do ex-presidente quanto às teorias de dependência e desenvolvimento.

A partir desses termos, ele afirma durante a entrevista que o governo Dilma teve uma má avaliação quando aumentou o crédito para sustentar o crescimento. "O investimento não veio", diz. Mas a crise energética, um dos desafios atuais da gestão de Dilma, não deve ser manobrada como uma crítica à Presidência. "Faltou investimento? Não. Faltou chuva."

LEIA ABAIXO A ENTREVISTA DE FHC À FOLHA

Diogo Bercito-15.mai.2014/Folhapress
FHC recebe título de doutor honoris causa da Universidade de Tel Aviv
FHC recebe título de doutor honoris causa da Universidade de Tel Aviv

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Folha - O que o sr. pensa da campanha para as eleições deste ano?
Fernando Henrique Cardoso - A campanha não começou ainda. São preliminares, guerrilha. O governo usa os meios de comunicação, especialmente a chamada mídia social. Há um desequilíbrio, sob a alegação de que se trata de atos de governo. Agora começa a haver um pouco mais de presença da oposição. Até agora, era aquela coisa avassaladora. Isso é da cultura brasileira, ter o foco em quem está no poder. Mas houve um exagero, quase uma programação eleitoral da presidente da República. Quando você vai perguntar à população em quem vão votar, eles não sabem. Repetem o que estão vendo. As pesquisas eleitorais agora é que começam a ter algum significado. Fora disso, vinham dando uma satisfação ingênua àqueles que estão no poder.

A Copa, como afirmou Lula, tem sido usada como "objeto de luta eleitoral"?
Nenhum partido está metido na Copa. Mas a população, e não os partidos, começou a se manifestar. Não são manifestações eleitorais. Pode haver consequências, se a organização tiver falhas. Há uma espécie de mal-estar, mas isso não é eleitoral nem partidário. O Lula gosta de sempre definir o "inimigo". Até agora, era a imprensa. Então vai inventar outro. Ele funciona sempre com o "eu" e o "outro".

Como a Copa influenciará a eleição?
Se o Brasil perder, aumenta o apetite crítico. Se ganhar, diminui. Mas isso não tem efeito direto sobre a eleição, e sim sobre a predisposição geral da população. Como o governo fez muita propaganda e gastou muito dinheiro –por mais que digam que não, basicamente o dinheiro é público–, e como já há insatisfação, a percepção da sociedade vai ser aguda.

A campanha do PT fala em uma "volta ao passado". O que o sr. acha dessa estratégia?
Ninguém vota no passado. Votamos no futuro. É um erro pensar que a população não aprende. E o passado não foi horrível. As pessoas entendem que as transformações do Brasil passaram a ser mais fortes no meu período e no do Itamar [Franco]. O Lula entrou na onda. O momento é muito ruim. A Dilma é vítima do momento. Há erros dela, mas outros do momento, como eu também tive problemas no meu mandato. Não acho que essas coisas sejam definidas olhando para trás.

Que tipo de erros o sr. avalia na gestão Dilma?
Estamos com problemas em todo o setor energético. Temos desequilíbrio nas contas do petróleo, e não estou falando sobre os escândalos. O etanol está desorganizado, porque não consegue competir com a gasolina. Ainda por cima, ela foi fazer a manobra de baixar a tarifa de energia elétrica. Isso é grave, é erro. Não é escândalo de corrupção, é erro de política.

Isso pode ter efeitos na campanha eleitoral?
Somando isso a outras coisas, das quais a Dilma não é pessoalmente responsável, tem efeito.

Sobre a ideia de "passado", o que o sr. pensa sobre a narrativa de que o desenvolvimento é uma conquista do PT?
Eles têm de explicar, então, como a economia está tão baixa nesses quatro anos. Essa história de jogar a culpa no passado já passou. O passado são eles.

O sr. recebeu uma homenagem pelos estudos de dependência e desenvolvimento. Nesses termos, como avalia o governo Dilma?
Ela tomou um caminho, a partir da crise mundial, que se resume a aumentar o crédito usando dinheiro público para aumentar o consumo e sustentar o crescimento. Mas o investimento não veio. Houve uma avaliação equivocada. Aumentou o endividamento.

Se não a Copa, o que deveria ser usado como "objeto político" na campanha deste ano?
Não acho que seja errado usar a Copa, do ponto de vista deles. Não é dramático. Mas a população quer saber se o salário está melhorando, se há inflação, se há perspectiva de emprego, se a economia dá sinais de vitalidade, se há serviços. O desafio do Brasil é oferecer mais, com mais qualidade e para mais gente.

O sr. apoia a candidatura de José Serra para vice?
Nem falei com o Serra sobre isso. Eu acho que isso é uma coisa importante, mas a definição do vice não está nas minhas mãos. O candidato terá de olhar a questão com muita objetividade. Vale a pena um paulista, alguém do Sul, do Nordeste? O vice não dá votos, ele pode é tirar.

O vice poderia também ser de outro partido.
Em geral, é. Assim, se aumenta o arco de alianças. Você tem de pensar no futuro, em como será o governo. Não é só ganhar eleição, e sim poder governar.

Eduardo Campos comparou a crise energética do governo Dilma com a do seu governo.
No meu governo, a crise energética foi falta de água. Mas o Brasil ainda não tinha termoelétrica e não havia a interconexão de todas as redes de eletricidade. Se essa crise atual tivesse ocorrido naquelas condições, já teria havido racionamento. Agora a situação é mais manejável porque há termoelétrica e conexão das redes. Mas isso aumenta o custo. Até agora, a consequência da falta de chuva foi o aumento de custos, mas você não pode criticar a Dilma porque não choveu. Faltou investimento? Não, faltou chuva.

Com essa crítica, Eduardo Campos mudou de estratégia, afastando-se do PSDB?
Acho que foi um equívoco. Ele precisa se firmar, e não vai fazer isso atacando o Aécio [Neves]. Não sei se ele vai endossar essa linha ou se foi interpretação. Mas não começou a briga eleitoral ainda.

Como o sr. avalia a posição do governo Dilma em relação a Israel e à Autoridade Nacional Palestina?
O governo Lula fez uma jogada arriscada com o Irã [ao tentar mediar um acordo nuclear]. Imagine se a Turquia resolvesse fazer um acordo entre Argentina e Uruguai. Não tem como. Já o governo Dilma me dá a impressão de ter menos ativismo global. Nossa voz global deveria ter engrossado mais, mas afinou. Há problemas principalmente na nossa região. Por exemplo, perdemos espaço na América Latina. Ideologicamente há uma simpatia pelo socialismo do século 21, uma simpatia platônica que não é formulada na prática. O governo venezuelano está atropelando os direitos humanos e o Brasil não faz nada. Houve também um afastamento em vaivém em relação aos EUA.

Qual sua avaliação do cancelamento da visita de Dilma aos EUA, pela crise da espionagem?
A visita naquele momento seria difícil mesmo. Tinha de ter uma reação. Mas as relações internacionais não são uma brincadeira de criança, uma "troca de mal". Houve um esfriamento das relações, naquela época, mas não pode haver picuinha em relações internacionais. Há interesses.

O sr. nunca pensou em se candidatar outra vez à Presidência?
Não. Você tem de saber qual é o seu momento na história. Esse pessoal que fica querendo agarrar uma onda na história desrespeita o que fez. Eu fui presidente por oito anos. É preciso abrir espaço para os outros.
Nunca me pus como obstáculo no PSDB. Por isso me dou bem com todos. Não sou visto como um competidor. É muito difícil, depois de oito anos, que ao voltar seja igual ao que foi. Isso vale para o Lula. Ele vai tomar a decisão que quiser, mas historicamente será um erro voltar. Isso se justifica em uma grande crise, em uma guerra. Em condições normais, tem de variar. Ninguém é insubstituível.


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