Folha de S. Paulo


Levantamento mostra radicalização de greves e protestos às vésperas da Copa

Pelo menos 33 categorias profissionais de dez cidades brasileiras escolheram a greve como melhor forma de fazer pressão e negociar pautas de reivindicações nos últimos 30 dias. Cruzar os braços e ir para a rua protestar tem sido uma estratégia comum em vários casos, mesmo quando a negociação com o setor patronal está em pleno andamento.

É o que revela levantamento feito pelo "protestômetro", ferramenta lançada no mês passado pelo site da Folha. Nela, os leitores podem se atualizar diariamente sobre a movimentação de greves e manifestações nas principais cidades das dez maiores regiões metropolitanas do país.

Às vésperas da Copa do Mundo, algumas autoridades publicas têm demonstrado preocupação com a radicalização de alguns movimentos. É o caso do governo Fernando Haddad (PT), que há uma semana enfrenta uma greve dos professores.

Nota da Secretaria Municipal de Relações Governamentais de São Paulo afirma que as negociações com a categoria estavam em andamento quando a greve foi decretada.

"A prefeitura manifesta sua preocupação diante da atitude tomada por um sindicato que se retira unilateralmente da mesa setorial e decide propor a paralisação de atividades com grandes prejuízos e alunos e suas famílias", diz a nota.

Representante de 55 mil trabalhadores da rede municipal de educação, o Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo nega a postura intransigente. Com mais de cem itens, a pauta de reivindicações tem como um dos principais pontos a incorporação imediata de abono ao salário e definição sobre como isso será feito. Em assembleia, os professores e demais funcionários resolveram entrar em greve por não concordar com a incorporação apenas a partir de 2015.

"O que esperamos é que o governo chame a categoria para negociar", afirma Graça Donegati, assessora do sindicato. "É uma forma de pressão. Quanto mais escolas fecharem, melhor", admite. A greve atinge 30% das escolas municipais e os sindicalistas trabalham para que a adesão aumente.

Editoria de Arte/Folhapress

No Rio de Janeiro, os 2.700 operários que trabalham na construção do Parque Olímpico conseguiram vários benefícios após uma greve de duas semanas e manifestações que pararam avenidas da cidade. Entre as conquistas estão pagamento de 100% a partir da segunda hora extra e tíquete-assiduidade de R$ 260 –recurso usado como estímulo ao comparecimento ao trabalho sem atrasos.

"A greve ainda é o instrumento de luta do trabalhador", afirma Carlos Antonio Figueiredo Souza, presidente do Sintraconst (Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil do Rio de Janeiro). O sindicalista revela também que as manifestações nas ruas e avenidas são estratégias para chamar a atenção da imprensa e mostrar a realidade dos canteiros de obras. Sem protestos, acredita, ninguém presta atenção nos operários.

"No Brasil, os trabalhadores da construção civil têm dificuldade de serem ouvidos. E são esses trabalhadores que constroem esse país".

Em debate promovido pela Folha nesta quarta-feira (30), o professor Anselmo Luís dos Santos, diretor do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho) da Unicamp, classifica o movimento sindical brasileiro como um dos mais importantes do mundo. Para ele, a política ofensiva adotada nos últimos anos resultou em ganhos salariais e aumentou a importância dos sindicatos na discussão dos rumos do país.

Balanço das negociações de reajustes salariais de 2013 feito pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) constatou que 87% das unidades de negociação pesquisadas conquistaram reajustes com aumento real dos salários, 7% conquistaram reajustes em valor igual à inflação e 6% tiveram reajustes insuficientes para recompor o valor dos salários. Foram analisados os resultados das negociações coletivas de 671 categorias na indústria, comércio e serviços.

Do outro lado da mesa no debate, o professor José Pastore, da Faculdade de Economia e Administração da USP, defendeu a necessidade de modernizar o sindicalismo e resolver questões como o monopólio sindical, a contribuição compulsória e a baixa representatividade.

ATÉ FORÇAS POLICIAIS

Até mesmo corporações que têm as greves em seus quadros como algo polêmico enfrentaram paralisações neste ano. Insatisfeitos com o governo federal, agentes da PF adotaram a estratégia de parar as atividades e ir para as ruas protestar.

No dia 23 de abril, pararam durante 24 horas em vários Estados. Ameaçam entrar em greve durante a Copa, criticam o suposto sucateamento da corporação e vão para as ruas com elefantes brancos para simbolizar o descontentamento com a situação da Polícia Federal. Em Curitiba (PR), a ameaça dos policiais federais foi formalizada com a entrega de um ofício ao diretório municipal do PT.

Policiais militares da Bahia, do Rio Grande do Norte e do Amazonas fizeram rápidas paralisações em abril. Em entrevista a rádios da Bahia nesta semana, a presidente Dilma Rousseff criticou a realização de greves por policiais e as classificou como inadmissíveis.

Em greve desde o início da semana, os vigilantes particulares do Rio de Janeiro não escondem o uso da Copa para conseguir melhorar salário e condições de trabalho. "Queremos aumento padrão Fifa", defende a diretoria do Sindicato dos Vigilantes e Empregados em Empresas de Segurança. "Jamais teremos oportunidade igual para acabar com a exploração".

Joel Silva - 17.abr.2014/Folhapress
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DIA DE LUTA

Também em greve, os metroviários de Brasília vão aproveitar o Dia do Trabalho para tentar chamar a atenção da população. Os grevistas pretendem se reunir em frente ao metrô Ceilândia e exibir vídeos sobre os problemas da categoria. "Não é dia de comemoração e de sorteios de carros e shows. O 1º de maio é dia de luta", defende comunicado distribuído pelo SindMetrô, sindicato que representa a categoria.

Neste primeiro mês de monitoramento do "protestômetro", pelo menos 140 atos foram realizados nas dez cidades acompanhadas pela Folha. As "campeãs" são o Rio de Janeiro, com 32 protestos, e São Paulo, com 30. As duas capitais lideram também na "radicalização" das manifestações. No Rio, protesto de moradores do Morro do Chapadão, que faz parte do conjunto de favelas do Alemão, na zona norte, terminou com nove ônibus queimados e uma unidade de saúde destruída na segunda-feira (28).

Em São Paulo, manifestação a favor do Plano Diretor terminou em confronto com a polícia na terça-feira (29). Manifestantes atearam fogo em pneus e lixeiras. Policiais jogaram bombas de gás e jatos d´água. A rua em frente à Câmara Municipal virou cenário de guerra.


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