Folha de S. Paulo


Próximo da Copa do Mundo, cresce a dívida pública das cidades-sedes

Às vésperas da Copa do Mundo, o torneio apresenta mais uma conta: as cidades que receberão os jogos se endividaram em ritmo bem superior ao de capitais que ficaram fora do evento.

Levantamento da Folha em dados do Banco Central aponta que, em dois anos, as dívidas das 12 sedes do Mundial com o Tesouro Nacional ou bancos públicos cresceram, em média, 51%.

Nas capitais sem Copa, no mesmo período, a taxa cresceu 20%. Dos municípios com jogos, apenas um –Salvador– conseguiu baixar sua dívida com o governo federal no período. Nas demais capitais, quatro reduziram.

No período pré-Copa, os municípios investiram, sobretudo, em projetos de transporte desengavetados com o pretexto do Mundial.

O governo federal estima os custos dessas obras em aproximadamente R$ 8 bilhões –valor equivalente ao que foi gasto na construção e reforma dos 12 estádios.

A construção das arenas ficou majoritariamente com os governos estaduais. Já na área de mobilidade urbana, a maior parte dos gastos é financiada com recursos do governo federal.
maior proporção.

Em 11 capitais, o endividamento com a União subiu entre 3 e 256% desde o início de 2012. Em cinco das 12 cidades também houve expressiva mudança na proporção da dívida em relação à receita.

Em Fortaleza, por exemplo, o município tem hoje débito equivalente a 15% de sua receita corrente. No fim de 2011, o índice era zero.

Em Porto Alegre, a dívida zerada foi bandeira da campanha do prefeito reeleito José Fortunati (PDT).

Agora o débito caminha para alcançar 30% da receita -o próprio balanço do município atribui a alta ao "crescimento nos financiamentos visando a Copa".

Editoria de Arte/Folhapress

CONSEQUÊNCIAS

Para o professor de administração pública José Matias-Pereira, da Universidade de Brasília, o endividamento preocupa porque as capitais terão pouca capacidade de investimento à frente.

"São muitos anos para pagar, e débitos ficam para gerações futuras. Por isso, é preciso um freio para que, no futuro, não paguem por descontrole de um ou outro gestor", afirmou Aécio Prado Júnior, vice-presidente do Conselho Federal de Contabilidade.

O caso mais emblemático é o de Curitiba, governada por Gustavo Fruet (PDT).

Com o empenho de recursos nas obras, a prefeitura contraiu outros empréstimos para bancar dívidas com fornecedores. O endividamento foi de 3,2% da receita no fim de 2011 para 9,8% hoje.

O Planalto diz que as intervenções em mobilidade urbana serão o legado do evento. A lista de obras, contudo, sofreu sucessivas alterações nos últimos anos. Projetos foram excluídos e outros continuam pendentes a menos de dois meses do evento.

DEBATE POLÍTICO

Se durante a eleição de 2012 o tema Copa foi destaque nos debates municipais, passada a onda de protestos de 2013, as prefeituras tentam evitar a vinculação dos gastos com o Mundial.

"O BRT passa a um quilômetro do [estádio] Mineirão. Não tem sentido dizer que [a obra] é por causa da Copa", disse o secretário das Finanças de Belo Horizonte, Marcelo Piancastelli.

Em Porto Alegre, durante o auge das manifestações do ano passado, o município tirou do pacote para o evento a maior parte dos projetos –a liberação de recursos atrasou e a cidade passou meses com vias interditadas devido a obras paralisadas.

Nas 12 cidades, a única que ultrapassa o limite de endividamento previsto em lei é São Paulo. A cidade hoje tem dívida equivalente a 200% da receita corrente líquida, enquanto o limite é de 120%.

A prefeitura, no entanto, não buscou financiamento federal para as obras de mobilidade urbana.

OUTRO LADO

Procuradas pela Folha, prefeituras que tiveram aumento elevado –acima de 20%– nas dívidas com a União defenderam a necessidade das obras incluídas no pacote da Copa. As prefeituras do Recife e de São Paulo negaram relação dos débitos com o torneio.

As gestões também dizem, com exceção do caso de São Paulo, que o nível de endividamento atual ainda está muito abaixo dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

O secretário de Finanças de Belo Horizonte, Marcelo Piancastelli, disse que a cidade tinha uma "demanda reprimida" de obras e ficou "mais de 30 anos sem investir em mobilidade urbana".

Segundo a Prefeitura de Porto Alegre, as obras do pacote do Mundial já estavam previstas no Plano Diretor e foram escolhidas com o Ministério das Cidades.

"O endividamento é para um investimento em melhorias. Fica como um legado. Aproveitamos a oportunidade da Copa para fazer", disse o secretário municipal da Fazenda, Roberto Bertoncini.

Ele afirmou que o orçamento municipal limita investimentos em infraestrutura porque já há verbas com destinação predeterminada.

A Prefeitura de Curitiba disse que uma das causas da alta das dívidas no último ano foi o montante de contas a pagar a fornecedores deixado pela gestão anterior.

O município também ressaltou que o nível de endividamento ainda está muito abaixo do limite de 120% da receita corrente líquida.

A Prefeitura do Rio afirmou que as operações de crédito são feitas a "taxas e prazos favoráveis" e destinadas a viabilizar obras de "uso cotidiano dos cidadãos".

Citou que nenhuma verba municipal irá para estádios da Copa ou da Olimpíada de 2016. Disse ainda que agências internacionais de risco avaliaram as finanças do município positivamente e que a trajetória do endividamento é "moderada".

Procurada, a Prefeitura do Recife negou relação entre o endividamento recente e as obras para o Mundial.

Entre as 12 capitais, o município foi o segundo que mais aumentou suas dívidas com a União, com 154% nos últimos dois anos.

A prefeitura argumentou que o estádio da Copa fica fora da capital, em São Lourenço da Mata. Mas, na Matriz de Responsabilidade, constam sete projetos para a capital.

A Secretaria das Finanças da Prefeitura de São Paulo disse que o alto volume de endividamento não tem relação com a Copa, mas com empréstimos contraídos na década de 1990.

A Prefeitura de Fortaleza e o governo do Distrito Federal não responderam aos questionamentos encaminhados pela reportagem.


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