Folha de S. Paulo


Economistas comparam o período da ditadura com governo Dilma

Em debate realizado ontem à noite na Folha, parte da série de eventos sobre os 50 anos do golpe militar de 1964, economistas discutiram semelhanças e diferenças entre o período da ditadura e o atual, sob a gestão da presidente Dilma Rousseff.

Participaram dois ex-ministros ligados à área econômica, João Sayad e Luiz Carlos Bresser-Pereira, e o pesquisador Samuel Pessôa, da Fundação Getúlio Vargas. Eles também fizeram análises, listaram críticas e falaram de avanços econômicos durante o regime ditatorial.

Samuel Pessôa começou sua exposição falando de educação. Com gráficos, ele mostrou que, durante a ditadura, o padrão do gasto público com educação a partir de 1964 continuou parecido com o que havia antes. Conforme suas planilhas, a taxa de matrículas no ensino fundamental também não sofreu alterações relevantes com a entrada dos militares.

Adriano Vizoni/Folhapress
Samuel Pessoa, Érica Fraga, Joao Sayad e Luiz Carlos Bresser-Pereira participam de debate
Samuel Pessoa, Érica Fraga, Joao Sayad e Luiz Carlos Bresser-Pereira participam de debate

"Do ponto de vista das políticas públicas, o período ditatorial (1964-85) pode ser tratado como pertencente ao período nacional desenvolvimentista, que começa em 1930 e vai até os anos 80." Outro aspecto destacado por Pessôa foi o que ele chamou de "paralelismo" entre o ciclo econômico da ditadura e o atual.

Esse ciclo, conforme sua exposição, passa por cinco etapas. A primeira é a do liberalismo, que na ditadura corresponde ao mandato do presidente Castello Branco. A segunda fase ocorre no início dos anos 70, quando Garrastazu Médici colhe crescimento robusto que só teria sido possível por causa da disciplina anterior. É o que convencionou-se chamar de "milagre econômico".

Vem então um abalo externo, no caso, o choque do petróleo. E a resposta a isso, já no governo de Ernesto Geisel, é o aumento do intervencionismo. O resultado final, disse, foi o encolhimento. Conforme seu entendimento, há uma repetição desse ciclo no período democrático. Começa com o liberalismo dos ex-presidentes Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Lula, o governante seguinte, desfruta do crescimento. Vem então um impacto externo, a crise de 2008. E resposta, já com Dilma Rousseff, é a mesma de Geisel: mais intervencionismo.

João Sayad fez uma espécie de retrospectiva sintética das principais ações econômicas adotadas no intervalo de 21 anos de ditadura. Ele destacou como um dos principais pontos positivos do regime militar o que chamou de 'modernização do sistema tributário", um conjunto de reformas impostas logo nos primeiros anos da ditadura.

Sayad lembrou que foi possível reduzir a inflação de forma gradual ao longo dos anos por meio do achatamento dos salários, corrigidos durante anos por meio da inflação projetada, que sempre ficava abaixo da inflação real. E destacou o grande crescimento das exportações no período.

A crise do petróleo de 1973 gera um grande problema. Naquele momento, Geisel opta então pelo financiamento externo para bancar grandes projetos nacionais de infraestrutura. "Eu não colocaria a saída encontrada por Geisel como um equívoco", disse. "Havia dinheiro sobrando [para ser emprestado]".

O problema é que, no momento seguinte, os Estados Unidos sobem seus juros, o que faz a dívida externa brasileira disparar. A inflação, então, sai do controle. Ele lembrou que o governo ditatorial tinha margens muito maiores para operar. Por isso, rejeita comparações com a atual situação de Dilma, para quem a administração é muito mais difícil, requer negociações complexas.

Bresser-Pereira classificou o período ditatorial como "a segunda revolução capitalistas brasileira". A primeira, conforma esse raciocínio, veio em 1930, com a ascensão do presidente Getúlio Vargas e o fim da República Velha.

Para ele, o governo militar fez inicialmente um "ajeitamento" econômico para corrigir problemas fiscais deixados pelo presidente Juscelino Kubitschek. O "grande erro", diz, foi o endividamento posterior e a decisão de usar empresas estatais como instrumento para combater a inflação.

Bresser também mostrou-se crítico à ideia de comparação entre o intervencionismo dos militares com a política adotada por Dilma. Para ele, a democracia coloca objetivos aos governantes que vão além do mero desenvolvimento econômico. Entre outros, ele citou as liberdades individuais, o avanço social e o ambientalismo.

O debate foi mediado pela jornalista Érica Fraga, repórter especial da Folha.


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