Folha de S. Paulo


Palácio das Laranjeiras estava em clima de velório, lembra ex-ministro

Na noite do dia 31 de março de 1964, o golpe militar já estava em marcha em Minas Gerais. O presidente João Goulart se encontrava recluso no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, recebendo aliados e tentando definir o que poderia ser feito naquela situação.

Foi nesse contexto que o jovem advogado José Gregori –que, posteriormente, seria ministro do presidente Fernando Henrique Cardoso– chegou ao palácio presidencial, acompanhando o ex-ministro da Fazenda de Jango, San Tiago Dantas. Gregori havia sido chefe de gabinete no ministério de Dantas e, naquela noite, seria apresentado ao presidente pela primeira vez.

O clima no Laranjeiras era de semivelório, lembra Gregori. "Foram apagadas as luzes, não havia serviço de copa. Um ambiente de semivelório. Atípico para um governo que não quer ser deposto."

Bruno Poletti/Folhapress
O jurista José Gregori e sua esposa Maria Stella Gregori
O jurista José Gregori e sua esposa Maria Stella Gregori

Antes de deixar o Palácio das Laranjeiras, por volta das 2h da manhã, San Tiago Dantas quis apresentar José Gregori ao presidente. Segundo relato do ex-ministro, Jango estava deitado em um sofá, com a perna apoiada em uma poltrona, a gravata caída para o lado. "Era um homem, antes de tudo, insone, esgotado fisicamente", lembra Gregori.

Quando os dois se encontraram, o presidente se levantou para cumprimentá-lo. Para Gregori, foi um gesto extremamente educado para a situação.

"Presidente, tudo que eu desejaria era ser apresentado para o senhor numa hora menos difícil, intensa", disse Gregori.

"É a vida pública, Dr. Gregori. É a vida pública", respondeu o presidente.

Dantas e Gregori deixaram o palácio por volta das 3h30. Jango partiria para Brasília naquela manhã.

MOVIMENTAÇÃO

Durante as cerca de oito horas que passou no local, segundo relato do ex-ministro de FHC, Gregori e Dantas viram alguns dos últimos políticos e generais aliados ao governo Jango.

Logo na chegada, um auxiliar do presidente informava: "O repórter Esso deu que o Jango já foi deposto", lembra Gregori. Ao que o então ministro da Saúde Wilson Fadul retrucou: "Já começou a guerra psicológica".

O deputado sergipano Seixas Dória relatava aos recém-chegados: "Já me deram notícia de que se eu pisar em Sergipe, estou preso." O ministro da Fazenda, Waldyr Borges, e o advogado Jorge Serpa passaram por Gregori e deixaram o palácio.

Naquela noite, o general Assis Brasil, chefe do gabinete militar de Jango, e alguns oficiais passaram cerca de duas horas reunidos com Jango.

AMAURY KRUEL

Durante todo o dia, esperaram-se notícias do general do Exército em São Paulo, Amaury Kruel, e sua possível adesão ao golpe em curso.

Na ausência de funcionários no Laranjeiras, Gregori diz ter começado a trabalhar como operador de telefone. Uma das ligações veio de sua mulher em São Paulo, Maria Helena.

"Acabei de ver na televisão o Adhemar de Barros [então governador de São Paulo] dizer que o Amaury Kruel aderiu às forças democráticas contra o golpe de esquerda", disse ela.

Gregori lembra ter corrido para avisar o assessor de imprensa do presidente, Raul Ryff. Segundo o ex-ministro, o assessor "saiu desabalado para avisar o presidente".

ÚLTIMO LANCE

Por voltas das 23h, lembra Gregori, San Tiago Dantas pediu que ele fizesse uma ligação para Afonso Arinos, secretário do governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto. O ato, segundo Gregori, seria uma das últimas alternativas de negociação antes do golpe militar se consolidar.

"Eu, se fosse o senhor, não tentaria mais. A situação não está pra diálogo", disse Gregori a Dantas na ocasião. Mesmo assim, o advogado acatou a ordem do chefe e fez a ligação para Arinos.

Assim que pousou o telefone no gancho, Dantas pareceu admitir a derrota.

"É, você é capaz de ter razão. O Magalhães só conversa se o Jango renunciar", disse o ex-ministro da Fazenda antes de voltar ao quarto do presidente e informá-lo da resposta.


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