Folha de S. Paulo


Justiça determina que bancário preso na ditadura seja readmitido

Alvo de demissão sumária após ter sido preso e torturado pela ditadura, um ex-bancário da Bahia ganhou o direito de ser readmitido pelo banco que o dispensou.

A decisão, do TST (Tribunal Superior do Trabalho), se dá exatos 50 anos depois da demissão, anunciada nos primeiros dias do regime militar instaurado em 1964.

E o hoje advogado Osmar Ferreira, 71, não esquece de nenhum detalhe daquela manhã de 8 de abril de 1964, quando um sargento do Exército entrou na principal agência do Banco da Bahia em Feira de Santana (BA) para prendê-lo. Saiu de lá algemado.

Ferreira era um jovem franzino que atuava como chefe de cobrança do banco e membro ativo do sindicato local dos bancários –que ajudou a fundar com 18 anos.

Raul Spinassé/Folhapress
Preso por 12 dias após o golpe, Osmar Ferreira foi demitido do Banco da Bahia depois de ser libertado
Preso por 12 dias após o golpe, Osmar Ferreira foi demitido do Banco da Bahia depois de ser libertado

Aos 21, já tinha sido gerente interino de agência, comandava uma equipe de oito pessoas.

Ligado à juventude do PCB (Partido Comunista Brasileiro), Ferreira foi levado ao 1º Batalhão da Polícia Militar da cidade, onde foi torturado ao longo de 12 dias.

"Não me colocaram no pau de arara nem levei choque, mas apanhei bastante", diz Ferreira, que, em 2010, foi reconhecido anistiado político e ganhou o direito a R$ 726 mil de indenização, paga hoje em parcelas mensais.

"[Os militares que me prenderam] Queriam saber onde estavam as armas, mas não tinha arma nenhuma."

O bancário foi solto, afirma, por influência de amigos do pai, "que era de direita", com a condição de se apresentar todos os dias no batalhão, às 6h e às 18h.

Logo que saiu da prisão, foi direto à agência bancária, onde teve uma surpresa. "Quando cheguei para trabalhar no banco, já estava demitido."

Como havia boatos de um "foco comunista" em Feira de Santana, a cidade chegou a ser ocupada pelo Exército ainda naquele ano. Com medo de ser preso, o advogado decidiu entrar na clandestinidade. Assim viveu até 1968, acompanhando as viagens do pai caminhoneiro.

"Me acomodei em benefício próprio. Pensava que não adiantava me envolver em ações armadas. Seria suicídio, como foram as guerrilhas do Araguaia e do Caparaó."

Ao deixar a clandestinidade, em 1968, Ferreira tentou o ensino superior. Por seis anos, contudo, suas inscrições nos vestibulares foram indeferidas –segundo ele, sem justificativa. Depois, se formou em direito.

Em abril de 2011, quatro meses após ser anistiado, Ferreira se filiou novamente ao Sindicato dos Bancários de Feira de Santana. Mesmo tendo abandonado a profissão, tinha um sonho: ter a demissão anulada pela Justiça.

Em fevereiro passado, três ministros do TST decidiram que ele deveria ser readmitido pelo Bradesco, instituição que comprou o Banco da Bahia em 1973.

Segundo a decisão, ele deve ser recontratado para função correspondente ao cargo que ocupava há 50 anos, com direito a vantagens somadas durante o afastamento.

O Bradesco diz que recorreu da decisão e que não comentaria o assunto, por estar "sub judice".

"Será a glória entrar pela porta da frente", diz Ferreira. "Vou me sentir o jovem que eu era quando fui arrancado daquela agência, mesmo que o banco me demita depois."


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