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Militares nunca foram intrusos na história brasileira, diz general

General responsável por comandar o Exército durante a transição democrática, a partir de 1985, Leônidas Pires Gonçalves, 94, não esconde seu ressentimento com a maneira como a ditadura é vista atualmente.

"A verdade é filha do poder. Nós, militares, nunca fomos intrusos da história. Mas, infelizmente, a história contada hoje é mentirosa. Há muita safadeza histórica", afirma.

Vaidoso e radical na defesa dos militares, o Ministro do Exército do governo Sarney defende com ardor o golpe dado por militares e civis contra o presidente João Goulart, forma para ele de defender a "liberdade" no país. À época, Leônidas era tenente-coronel e, por causa disso, se autodefine como "um dos revolucionários históricos".

Leia abaixo trechos da entrevista dele à Folha.

Rafael Andrade - 11.mar.2009/Folhapress
O general do Exército e ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves
O general do Exército e ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves

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Folha - Passados 50 anos do golpe, por que o Exército ainda não fez uma autocrítica da atuação na ditadura?
Leônidas Pires Gonçalves - O Exército não é um intruso da história brasileira, mas um instrumento da vontade nacional. Atendemos aos apelos veementes da sociedade. Se as coisas continuassem como era no governo João Goulart, não teríamos democracia nem liberdade. Sou muito feliz por ter a nossa democracia, levamos 20 anos para chegar nela. Está pensando que não sou democrata?
O episódio do comunismo no Brasil, no qual a revolução de 1964 faz parte, é contado de uma forma safada. Há safadeza histórica.

Não deveria haver uma análise realista do passado?
Dói para se acabar com um tumor. No começo da revolução, esperávamos confronto militar. Mas depois vimos que eles não teriam condições de lutar. O dispositivo militar do governo Jango não existia. Jango, aliás, não tinha nada de comunista, era um bon vivant, fazendeiro. O entourage de Jango que provocou a sua queda.
A revolução não é cartesiana. É uma aparente confusão, mas tem uma definição bem nítida. Nós cortamos na própria carne. Fizemos isso e ninguém se lembra. Quantos oficiais foram cassados? Não sei, mas foram centenas.

Isso sem falar na cassação de políticos, do cerceamento das liberdades, torturas, mortes e desaparecimentos.
A esquerda dominou completamente o pensamento e a mídia, no Brasil e no Mundo. Sua geração foi impactada pelo veneno da esquerda. O Exército é um poder moderador, garantidor da lei e da ordem. Evitamos a quebra do país. Essa é a missão das Forças Armadas.
Ninguém fala o que eles [a esquerda] fizeram, preferem falar da bomba do Riocentro, quando dois idiotas fizeram aquilo lá. A versão matou tudo.
Fizemos uma coisa civilizada, chamada cassação. Cassação no Brasil é a mesma coisa do chamado ostracismo da Grécia. Fazíamos como na Grécia. Ou mesmo o banimento da Roma Antiga. E Roma é um parâmetro de civilização para o Ocidente.
A revolução de 1964 foi absolutamente democrática. Não tivemos ditador, mas sucessivos presidentes eleitos por votação. Votação indireta, mas não era ilegítima. Todos foram eleitos pelo Congresso. Já vi que sua posição é meio esquisita.

Não havia liberdade, eram tempos de exceção e o Congresso chegou a ser fechado.
Se houve algo, foi pressão política. Isso sim. Mas a revolução não matou ninguém. Eles [a esquerda] montam essas teorias, isso nos irrita profundamente.
O que aconteceu é que a subversão virou radicalmente, o que era para fazer? Não se esqueça que toda ação tem uma reação igual. Eram canalhas, matavam, assaltavam bancos e joalherias, no caso do sequestro do embaixador [americano Charles Elbrick, em 1969], desmoralizou o Brasil perante o mundo. São canalhas! Essa gente toda cometeu crimes de lesa pátria. O que queriam do Exército? Atendemos os interesses nacionais.

A tortura, ao menos, o sr. reconhece?
Houve. Você não controla a raça humana. Não gosto de falar sobre o tema, não por não me orgulhar do que seja o Exército, mas acho que temos problemas maiores no país para ficarmos olhando para trás. Sou um patriota, não entendo porquê se discute tanto uma coisa do passado, há 50 anos. Você quer parar o país por causa de quatro, cinco mortos? Eles ganharam no tapetão. Não querem falar da subversão da esquerda, só falam de 1964 a partir do prisma da revolução. Mas a revolução não foi limpinha, nós também cometemos equívocos.

Por que o Exército, ainda hoje, defende os militares que cometeram crimes no período?
O militar cumpre ordens. Contra bandido, você não pode fazer outra coisa. Na hora da guerra, é matar. Não somos pacifistas na hora da guerra. O soldado é o cidadão de uniforme para o exercício cívico da violência. Por que não quero o Exército na rua fazendo o papel de polícia? Somos bélicos, não sabemos botar algema ou usar cassetete, sabemos dar tiro.

Por que a Comissão da Verdade incomoda tanto?
Por que a verdade, entre aspas, é filha do poder.

E a mentira?
A verdade está com o poder. O Ustra [Carlos Alberto Brilhante Ustra, coronel reformado do Exército acusado de inúmeros crimes] pensa que é um salvador da pátria, você acha que ele pensa que é criminoso como vocês acusam ele? Aí que está o problema de tudo.


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