Folha de S. Paulo


Argentina vai investigar morte do presidente João Goulart

A pedido do Ministério Público argentino, a Justiça do país vai incluir numa grande ação em curso sobre a Operação Condor os nomes do presidente João Goulart (1919-1976), o Jango, e de outros brasileiros desaparecidos ou que foram monitorados enquanto estavam na Argentina.

A decisão, inédita, foi tomada após o procurador federal argentino Miguel Angel Osorio, que atua no caso, receber do Brasil documentos militares com informações encaminhadas às autoridades argentinas da época, solicitando o monitoramento de Jango e de outros brasileiros que vivam na Argentina. Os documentos foram apresentados à Procuradoria argentina pelo brasileiro Jair Krischke, do Movimento de Justiça e de Direitos Humanos.

Deposto pelo regime militar (1964-1985), Jango, doente cardíaco, sofreu um infarto em casa em dezembro de 1976 na cidade de Mercedes, na província de Corrientes, segundo relato oficial. A família e o governo suspeitam de envenenamento, em possível ação coordenada entre as ditaduras da época no Cone Sul.

Após o golpe de Estado que depôs João Goulart da Presidência, em abril de 1964, o político partiu para o exílio. Primeiro, no Uruguai. Depois, Argentina, onde viveu até a morte.

Acervo UH/Folhapress
O presidente João Goulart, conhecido como Jango, chega em Recife (PE)em 1963
O presidente João Goulart, conhecido como Jango, chega em Recife (PE)em 1963

EXUMAÇÃO

Em novembro do ano passado, os restos mortais de Jango foram exumados a pedido da família para tentar identificar as causas da morte, ocorrida no exílio, na Argentina. Os restos mortais foram levados da cidade gaúcha de São Borja (a 581 km de Porto Alegre) para Brasília. As amostras coletadas na capital federal estão sendo analisadas em laboratórios fora do país.

No dia 18 de dezembro, na presença dos chefes das Forças Armadas e da presidente Dilma Rousseff, o Congresso Nacional devolveu, simbolicamente, o mandato do presidente João Goulart. O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), fez um pedido de desculpas "pelas inverdades patrocinadas pelo Estado brasileiro" contra um "patriota".

No pedido, os congressistas afirmaram que a anulação faz um "resgate histórico", pois a vacância do cargo permitiu o golpe militar de 1964, embora Jango estivesse em Porto Alegre (RS). Na época, o filho de Jango, João Vicente, fez críticas ao Congresso da época, lembrando que o golpe foi legalizado pelo Legislativo. Ele disse que a medida foi uma injustiça e é uma "triste mancha" para o país, porque legalizou a ditadura e um governo de exceção.

MAIS CASOS

Dos demais brasileiros arrolados na ação, cinco deles desapareceram na Argentina durante a última ditadura, entre 1976 e 1983. O país vizinho, que teve uma das mais brutais ditaduras do continente, é exemplo na punição de agentes do Estado envolvidos em crimes de lesa humanidade.

Centenas de militares, ex-policiais e até médicos envolvidos com os crimes do período foram julgados e presos. No Brasil, a Lei da Anistia em vigor impede qualquer responsabilização.

A causa sobre a Operação Condor é uma das maiores em curso na Justiça argentina, em trâmite desde 2011. A Operação Condor foi uma aliança entre as ditaduras latino-americanas da época (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia) para prender e eliminar no exterior opositores dos regimes militares.

*

AS SUSPEITAS EM TORNO DA MORTE DE JANGO

1 - AMEAÇAS Mesmo vivendo no exílio, em países vizinhos ao Brasil, o presidente João Goulart e seus familiares eram alvo constante de ameaças. Jango chegou a ser alertado por amigos sobre um possível atentado

2 - ESPIONAGEM Documentos do SNI (Serviço Nacional de Inteligência) mostram que agentes continuaram monitorando João Goulart no exílio, mesmo 12 anos após o golpe. Havia ordens expressas para prendê-lo caso voltasse ao Brasil

3 - AUTÓPSIA O corpo de Jango não passou por autópsia na época em que ele morreu. A causa oficial da morte foi infarto (o ex-presidente sofria de problemas cardíacos). Seu corpo só foi enterrado em São Borja, no Brasil, após a garantia de que o caixão não seria aberto

4 - COINCIDÊNCIA Os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart e o ex-governador Carlos Lacerda, três líderes que defendiam a redemocratização, morreram todos em um período de nove meses, entre 1976 e 1977

5 - MORTES Enrique Foch Diaz, amigo de Jango, foi um dos primeiros a suspeitar que o ex-presidente tivesse sido assassinado. Ele observou que 18 pessoas envolvidas no caso morreram –a maioria, como Jango, por problemas cardíacos– antes que pudessem depor à Justiça

6 - ENVENENAMENTO Em 2006, um ex-agente da repressão no Uruguai revelou ter participado de complô para assassinar João Goulart a mando do governo brasileiro. Segundo ele, foi misturado veneno aos remédios que o ex-presidente tomava


Endereço da página:

Links no texto: