Folha de S. Paulo


Punho cerrado é herança política do século 20

Desde a primeira leva de prisões dos condenados no mensalão, chama a atenção o uso de um dos mais clássicos gestos de protesto político do século 20, o punho cerrado, por parte da antiga cúpula do PT mandada à cadeia pelo esquema de compra de apoio parlamentar no governo Lula.

A moda parece ter pego nas hostes petistas, o punho foi usado ontem pelo vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), para provocar o ministro Joaquim Barbosa na abertura do ano legislativo.

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), relator do mensalão e responsável pela execução da pena dos condenados, estava sentado ao lado do petista na Mesa da Casa quando Vargas levantou o braço repetidas vezes com o punho fechado. Mais tarde, no encontro da bancada do PT, deputados do partido voltaram a fazer o gesto.

Não é fácil precisar historicamente a criação do gesto, mas é certo que ele virou uma marca dos movimentos comunistas alemães que disputavam o poder com os nazistas na turbulenta Alemanha do pós-Primeira Guerra.

Sérgio Lima-03.fev.2014/Folhapress
Joaquim Barbosa passa pelo deputado André Vargas (PT-PR), vice-presidente da Câmara dos Deputados
Joaquim Barbosa passa pelo deputado André Vargas (PT-PR), vice-presidente da Câmara dos Deputados

Tanto que em 1926 ele foi registrado oficialmente como símbolo da ala militar do Partido Comunista da Alemanha, liderado por Ernst Thälmann (1886-1944) – ele próprio sempre usava em comícios o gesto, eternizado em suas estátuas por toda a área da antiga Alemanha Oriental.

Durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39), os diversos grupos de esquerda que lutavam contra os fascistas de Francisco Franco importaram o gesto, provavelmente influenciados por voluntários de entidades como o partido de Thälmann.

Após a Segunda Guerra, contudo, o simbolismo de resistência e solidariedade ganhou outras fileiras ideológicas. As alas mais radicais do movimento pelos direitos civis americanos da década de 60, como os Panteras Negras, instituíram o punho cerrado. São clássicas as fotos dos medalhistas negros americanos fazendo a saudação nos pódios da Olimpíada da Cidade do México, em 1968.

Em sinal reverso, os grupos supremacistas brancos que floresceram na Europa no fim do século igualmente usam o punho cerrado como símbolo. Ele está é diversas insígnias "White Power". Em 2012, o atirador norueguês de extrema-direita Anders Breivik, que matara 77 pessoas no ano anterior, entrou em corte fazendo uma variante desafiadora do gesto.

O momento da prisão inspirou esquerdistas brasileiros a adotar o gesto na época da ditadura militar. Em 1969, quando era um preso político e foi trocado pelo embaixador americano sequestrado, José Dirceu mostrou os dois punhos fechados antes de embarcar para o exílio. Ex-ministro da Casa Civil condenado por corrupção no regime democrático, ele repetiria o gesto no ano passado na variante clássica – até porque não estava algemado como na outra vez.

Outro prisioneiro famoso também fez uso do punho cerrado: Lee Harvey Oswald (1939-63), acusado de matar o presidente John Fitzgerald Kennedy (1917-63), fez questão de ser fotografado assim, mesmo algemado. Ele tinha ligações com comunistas, tendo inclusive morado na União Soviética, mas a associação com o símbolo da esquerda europeia das décadas de 20 e 30 passou algo despercebida.

Grupos de todos os matizes usaram e usam o gesto. Feministas o têm como símbolo contra a opressão machista. Na antiga Iugoslávia, o governo nominalmente socialista do ditador Slobodan Milosevic (1941-2006) usava o gesto frequentemente, a ponto de ser emulado numa versão oposicionista na logomarca do grupo dissidente Otpor! ("Resistência!").


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