Folha de S. Paulo


'Sobre o Lula, você pergunta para ele', diz João Paulo Cunha

Primeiro réu a ser condenado no julgamento do mensalão, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) não esconde o ressentimento com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que nunca se pronunciou publicamente sobre o maior escândalo de corrupção que acometeu o seu governo.

"Sobre o Lula, você pergunta para ele", respondeu João Paulo à Folha ao ser questionado sobre sua relação com o ex-presidente. O petista, porém, afirma que sempre contou com o apoio da militância do partido. "Eu me sinto respaldado pelo PT".

Aos 55 anos, João Paulo diz que não tem nenhum arrependimento e que falta "civilidade, humanidade e cortesia" ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa. O ministro criticou os colegas que não assinaram o mandado de prisão do deputado e deram a ele "mais um mês em liberdade".

Em entrevista à Folha, o petista ironizou a imagem do presidente da Corte, fotografado na semana passada em uma das mais nobres galerias de Paris, onde passa férias. "Nos últimos dias, estive na Galeria Pagé, na Rua 25 de Março, para comprar roupas brancas, porque posso precisar delas logo", disse sorrindo.

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Confira os principais trechos da entrevista:

Folha - O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, criticou os colegas ministros que não assinaram seu mandado de prisão e, nas palavras dele, deram mais um mês de liberdade para o senhor. O que achou dessa declaração?
João Paulo Cunha - Excluindo a falta de civilidade, humanidade e cortesia do ministro Joaquim Barbosa, acho que esse é um problema interno do STF e cabe aos ministros debater essa posição.

Joaquim Barbosa decretou sua prisão mas saiu em férias sem assinar o mandado.
Foi um gesto de pirotecnia do ministro para que ele tenha mais dois minutos de repercussão. Se minha prisão era urgente, ele deveria ter assinado [o mandado], se não era urgente, não deveria ter anunciado e viajado, porque isso causa um constrangimento para o condenado.

Que tipo de constrangimento?
Como condenado, tenho direitos e, além disso, sou ser humano e tenho família e amigos a quem ele deveria pelo menos respeitar. Como parece que o respeito não é o forte dele, então considero que essa medida foi cruel.

A Mesa Diretora da Câmara cancelou a reunião que iria tratar sobre seu mandato de deputado federal. O senhor pretende renunciar?
A Mesa não poderia ter marcado a reunião sem ter recebido o comunicado [sobre a prisão] do STF, então corrigiu uma precipitação desnecessária que alguns podem entender como covardia. Por outro lado, renúncia é um verbo intransitivo, então tem que tomar cuidado como usa e, nesse momento, acho que é assunto fora de pauta.

Qual sua expectativa nesses últimos dias em liberdade?
Tenho utilizado esses dias para três coisas: cuidar da saúde, da alma e de alguns acertos políticos para este ano. Nos últimos dias, estive na Galeria Pagé, na 25 de Março [rua de comércio popular em São Paulo], para comprar roupas brancas, porque posso precisar delas logo [sorri].

O que o senhor quer dizer com "cuidar da saúde e da alma"?
Fiz uma cirurgia na coluna em julho passado e voltei a sentir dores, então fiz uma bateria de exames e sigo sob acompanhamento médico. Estou fazendo um curso de literatura chamado "Dar alma à correnteza", do escritor João Gilberto Noll. Estou juntando coisas que já escrevi e avaliando se tem qualidade literária para, posteriormente, ver se consigo publicar. Tem poesia, um pouquinho de conto e, mais para frente, quem sabe até publicarei um romance.

Como está a sua família nesse momento de pré-prisão?
É uma situação bastante dura mas que você precisa ter aquilo que o [cantor e compositor] Walter Franco diz: mente aberta, espinha ereta e coração tranquilo. É assim que vou enfrentar essa injustiça. Minha família sabe que nunca fiz nada de errado e que essa é uma contingência da política pela qual a gente tem que passar.

Além da pena de 9 anos e 4 meses de prisão, o senhor tem que pagar uma multa de R$ 250 mil. Pretende fazer um site de arrecadação como o de José Genoino e Delúbio Soares?
Não sei ainda. Essa multa é uma barbaridade, porque é só ver o meu patrimônio e a minha renda para perceber que é absolutamente desproporcional ter uma multa dessa magnitude aplicada a mim mas, enfim, é o que a gente tem.

O senhor disse que está pronto para ser preso e que se apresentará à polícia de cabeça erguida. Como se preparou para isso?
Esse processo é uma sucessão de injustiças e de absurdos e a história vai reparar isso. O STF, em muitos momentos, não teve uma passagem brilhante pela história. O STF erra muito e, mais uma vez, errou. Por tudo isso, nós - eu e os companheiros do infortúnio - viemos nos preparando e reconhecendo que era uma disputa política e, como disputa política, poderíamos ter qualquer desfecho.

O que o senhor espera da rotina na prisão?
Eu não tenho porque ser preso. Se fosse feito um julgamento justo, eu não seria condenado a nada. De qualquer forma, vou cumprir o regime semiaberto. Eu estudo, tenho serviço fixo, sou deputado, tenho mandato na Câmara, então acredito que não vou ter rotina na cadeia.

Com esses episódios de violência e rebeliões nos presídios pelo país, com crimes horrendos no Maranhão, o senhor tem medo de ir para a Papuda?
Eu me preocupo e tenho um olhar sobre a crise do sistema penitenciário do Brasil não pelo meu caso, mas pelos presos que estão espalhados pelo país e que, na realidade, são presos pobres e que precisam do amparo e da proteção do Estado. No meu caso, não há o que temer, porque não há hipótese de eu ir para um regime fechado agora.

O senhor carrega mágoa de alguém ou de algum episódio nesse processo?
Não guardo mágoa de ninguém mas o processo serviu para fazer uma separação das pessoas que estavam próximas a mim. Sempre digo que você tem muitos amigos na subida, mas na descida você só tem os verdadeiros, porque os outros abandonam você.

E muita gente abandonou o senhor?
Pelo contrário, tenho muito orgulho da militância do PT, pela quantidade de solidariedade que recebo. Não tenho do que reclamar e sou agradecido aos companheiros de sindicato, aos deputados de vários partidos, aos padres e pastores, prefeitos de diversas cidades...

O ex-presidente Lula nunca falou sobre o mensalão e o PT divulgou apenas duas notas oficiais sobre o assunto. O senhor se sente respaldado pelo partido e pelo ex-presidente?
Sobre o presidente Lula, a pergunta deve ser dirigida a ele e sobre a direção do PT, deve ser dirigida à Executiva Nacional do partido. Agora, em relação à militância e aos filiados ao PT não tenho nenhuma dúvida quanto à solidariedade plena, absoluta e permanente.

Mas o senhor sente esse mesmo respaldo do Lula?
Eu me sinto respaldado pelo PT.

O senhor manteve algum tipo de relação com o Lula durante o processo?
Acho que isso é bom você perguntar para ele.

E com Dirceu, Delúbio e Genoino?
Mantive contato com eles para falar sobre a situação de cada um dentro do processo e também sobre o conjunto.

Só isso? Não se encontravam?
Sim, mas falávamos mais sobre o processo.

O senhor errou em algum momento?
Tenho minha consciência tranquila de que não cometi nenhum dos crimes que são imputados a mim. Não cometi nenhum erro e não me arrependo de nada do que fiz.

Se o senhor pudesse fazer algo de novo, corrigindo alguma coisa, o que seria?
Acho que dedicaria mais tempo à minha família, à minha filha e a mim. Estudaria mais e teria mais amigos.

O senhor se arrepende de ter se dedicado tanto à política?
Não é um arrependimento, fiz muito pelas circunstâncias. A ditadura no Brasil estava agonizando, surgiu o PT, virei vereador em Osasco com 24 anos e não me arrependo disso. Dei minha vida para ajudar a construir o Brasil. Se fosse para recomeçar, dividiria melhor o meu tempo.

O PT errou?
Se você vir o conjunto da história, o PT pode ter errado em muitos momentos, politicamente e na condução dos processos. Mas, naquilo que é central, acho que o PT acertou, construiu um novo Brasil e nós estamos pagando pelo que o PT tem de bom, e é isso que desperta a ira da elite branca brasileira, porque muita gente na história faz a opção pela casa grande e outros, pela senzala. Eu fiz a opção pela senzala.

O senhor disse que sua mulher foi ao Banco Rural resolver um problema da fatura da TVA mas o STF disse que todos que foram naquele prédio retiraram dinheiro. O senhor mentiu?
Não. A conta da TVA está no nome da minha mulher, houve divergência de valores nas faturas de setembro em relação a agosto e o único banco de compensação era o Banco Rural. Nunca disse, diferentemente do que alega o ministro Joaquim Barbosa, de forma maldosa e errônea, que ela tinha ido pagar uma conta de TV. Ela foi tentar resolver um problema na conta da TVA.

Mas ela saiu de lá com 50 mil reais.
Ela se identificou, tirou xerox do documento, assinou o recibo e pegou o dinheiro que foi pago ao instituto Datavale, que deu recibo e nota fiscal e realizou as pesquisas. Quando a tesouraria do seu partido disponibiliza o dinheiro é errado? Todo mundo da política deveria tomar esse procedimento ao pedir recurso, ou seja, procurar o tesoureiro do partido. E foi isso que eu fiz.


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