Folha de S. Paulo


Bilhetes revelam que Dops forjou relatório sobre torturado em 71

Bilhetes escritos em papéis da direção do Departamento de Ordem Política e Social da Guanabara revelam como foram incluídas informações falsas na versão final do Exército sobre a prisão do engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, morto após tortura durante a ditadura militar.

Escritos a mão, eles pedem alterações no relatório final do órgão de repressão da ditadura sobre o caso.

Os documentos integram levantamento feito pelo arquiteto Felipe Nin, 27, o advogado Raul Nin, 31, e Marcelo Zelic, do Grupo Tortura Nunca Mais. Ele detalha os 12 dias de agosto de 1971 em que o engenheiro ficou preso antes de morrer após ser torturado.

Um bilhete diz: "Cavalheiro: cel. Gastão mandou acrescentar no episódio da prisão: 'ao ser capturado, reagiu à prisão'". Trata-se de pedido do então diretor do Dops, coronel Gastão Fernandez.

A inclusão do falso confronto é feita para justificar as marcas de agressão constatadas quando Raul Nin Ferreira foi internado no Hospital Central do Exército.

Reprodução/Dops
Engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, dias antes de sua morte em 1971
Engenheiro Raul Amaro Nin Ferreira, dias antes de sua morte em 1971

O falso confronto não constava no primeiro relatório sobre a sua prisão, feito pelo chefe de buscas ostensivas do Dops, Mario Borges. Passou a existir em documento difundido pelo CIE (Centro de Informações do Exército).

Na nova versão, Ferreira tentou fugir quando policiais vasculhavam sua casa.

"O guarda tentou impedir a fuga, ao que reagiu com agressividade violenta; ato contínuo, os demais policiais acorreram ao local, só conseguindo conter o subversivo após cerrada luta corporal."

A versão foi desmentida por foto tirada pelo Dops quando o engenheiro entrou na prisão. Nas imagens não há cenas de confronto.

Raul Ferreira foi preso em agosto de 1971 apontado pelo Serviço Nacional de Informações como membro do comando do MR-8, grupo que participou da luta armada contra a ditadura. A família diz que ele apenas fazia parte da rede de apoio do grupo.

Em outro bilhete, pede-se que inclua nos documentos a suposta colaboração por parte do pai de Ferreira na localização de sua residência. A família nega que o pai tenha dito isso. A suspeita é que isso tenha sido feito para ocultar o verdadeiro informante.


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