Folha de S. Paulo


Governo Dilma deveria ter sido mais discreto com a demorada exumação de Jango

A exumação dos ossos do libertador Simón Bolívar (1783-1830), em julho de 2010, foi um dos grandes momentos do realismo fantástico aplicado à política. Seu promotor foi Hugo Chávez (1954-2013), o homem que mudou para República Bolivariana da Venezuela o nome do país que governou por 14 anos.

O corpo de Bolívar já havia sido exumado quatro vezes: em 1842, para levá-lo da Colômbia, onde morreu, até a catedral de Caracas; em 1876, para transferi-lo ao Panteão Nacional; em 1942, para investigações, e em 1972, para levar a ossada a um túmulo especialmente desenhado.

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O objetivo alegado da nova exumação, a quinta, era verificar se de fato Bolívar morrera de tuberculose --como narra a historiografia oficial-- ou se fora envenenado. Chávez, no entanto, transformou o desenterramento em cerimônia transmitida ao vivo pela TV estatal do país (não sem antes dizer "tirem as crianças da sala --a cena que vamos exibir será forte").

Ao som do hino venezuelano, um grupo de cerca de 50 militares, ministros e cientistas retirou a tampa do sarcófago de Bolívar e removeu a bandeira da Venezuela que cobria os restos mortais, enquanto uma câmera mostrava imagens do esqueleto.

"Levanta-te, Simón, porque não é hora de morrer!", escreveu Chávez em uma das várias mensagens que enviou a seguidores no Twitter durante o evento. "Confesso que choramos. Digo a vocês: tem que ser Bolívar este esqueleto glorioso, pois se pode sentir sua chama", acrescentou.

Críticos do presidente venezuelano chamaram a cerimônia de manobra diversionista num cenário de recessão, que depois se agravaria no país; historiadores condenaram a falta de acompanhamento independente do processo e a apropriação política da figura do herói nacional.

Nada disso deteve Chávez. De todo modo, num Brasil menos afeito ao realismo mágico --e em que o peso político de João Goulart não se compara ao de Bolívar nos países vizinhos--, era de esperar que o governo Dilma lidasse de modo mais discreto com a demorada exumação do presidente deposto.


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