Folha de S. Paulo


Marina Silva faria governo menos estatizante que Dilma, diz Eduardo Giannetti

Um governo similar à segunda gestão de FHC e à primeira de Lula. Menos estatizante do que Dilma. Assim seria uma eventual administração Marina Silva na visão de um dos seus principais conselheiros, o economista Eduardo Giannetti da Fonseca, 56.

Defensor da austeridade, ele faz eco às palavras da ex-senadora que tem defendido o chamado "tripé" (superávit primário, câmbio flutuante e metas de inflação). Na sua opinião, essas ideias estão longe de significar que Marina virou uma candidata do mercado financeiro.

Em entrevista concedida em São Paulo na última quinta-feira (17), Giannetti critica o governo e advoga que o crescimento não deve ser feito a qualquer preço: "Crescer 7% destruindo patrimônio ambiental é muito pior do que se crescer 3% preservando".

Ex-professor da USP, de Cambridge e do Insper, Giannetti conversa duas ou três vezes por semana com Marina. Para ele, há dificuldade na fusão com o PSB e obstáculos para atrair empresários para o grupo. "A elite empresarial está no bolso do governo", diz.

Fabio Braga-17.out.13/Folhapress
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca em sua casa, em São Paulo
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca em sua casa, em São Paulo

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Folha - Depois de cinco anos de crise internacional, como está a economia no mundo?
Eduardo Giannetti da Fonseca - Estamos no capítulo final. A economia mundial está num período de transição. A Europa saiu da UTI, deve continuar com um crescimento baixo. Nos EUA, há sinais de uma recuperação vigorosa. As famílias reduziram seu endividamento, o mercado imobiliário está em recuperação, as empresas estão voltando a investir. Eles estão no limiar de uma grande revolução energética, que é o gás de xisto. Isso está levando a um movimento de reindustrialização americana. Setores tradicionais estão voltando [para o país] por causa do baixo custo da energia. Se nada muito inesperado acontecer, há razões para acreditar que a economia dos EUA volta a crescer 3% no ano que vem. Isso significa que a política monetária norte-americana vai se normalizar. A pergunta não é se, mas quando. É provável que fique para o ano que vem. A China está buscando uma transição de um modelo de crescimento calcado em investimento e crédito para um menos dependente de financiamento estatal e mais voltado para o mercado doméstico. Lá, o grau de endividamento foi longe de mais, e eles estavam investindo além da conta. Boa parte desse investimento foi para o setor imobiliário, de infraestrutura, em indústria básica. Estão com problema de sobrecapacidade. A indústria siderúrgica da China é metade da produção do mundo. É um risco para o mundo. Se não tiver uma demanda interna que justifique esse investimento, eles vão ter que vender fora e quebram a siderurgia mundial, porque vão vender a um preço muito baixo. O preço das commodities, que vinha trabalhando muito a nosso favor e sustentou uma parte importante do crescimento de 2003 a 2010, já não está trabalhando a nosso favor. É possível que haja uma piora nos termos de troca, especialmente no caso das commodities minerais, que dependem do investimento e da construção civil da China, que está caindo e vai cair mais. Havendo esse movimento para o mercado interno, as commodities agrícolas podem se beneficiar. O Brasil voltou para o pelotão dos vulneráveis, ao lado da África do Sul, da Índia e da Indonésia.

Como a economia vai estar no ano eleitoral?
Não tem perspectiva de crescimento mais forte. Entramos numa fase de baixo crescimento crônico, com uma inflação teimosamente na vizinhança do teto da meta e num caminho de vulnerabilidade externa. A conjuntura internacional mudou. Há um componente estrutural que é a deterioração fiscal desde 1988. E tem um componente conjuntural que é piora da qualidade da política econômica a partir do segundo governo Lula e, de forma acentuada, durante Dilma. O Brasil tinha uma carga tributária bruta de 24% do PIB em 1988 e o Estado investia 3% do PIB. Hoje temos uma carga de 36% do PIB e investimento de 2,4% do PIB.

Mas o maior aumento da carga tributária foi com FHC.
FHC abriu a frente das contribuições, que hoje representam mais para o governo federal. O que era para ser exceção virou regra e gerou um estrago fiscal que está asfixiando o Brasil.

Mas a taxa de juros elevada não é responsável por isso?
Isso foi o caso no primeiro mandato do FHC, quando havia câmbio fixo e valorizado e a política monetária tinha que ser aquela para manter o câmbio fixo. O governo FHC errou muito ao manter a âncora cambial. A partir do momento que flutuou o câmbio, o juro começou a baixar.

Mas ainda é muito alto.
É alto, mas não é o que explica esse estrago fiscal. O Brasil vinha de um bom momento, que foi o segundo mandato de FHC e o primeiro de Lula, quando prevaleceu o tripé: austeridade fiscal, superávit primário para valer, câmbio flutuando, autonomia do BC para cumprir o centro da meta de inflação. Isso começou a se fragilizar com a expansão fiscal do segundo mandato de Lula, até certo ponto justificável pela crise de 2009. Só que a partir de 2009, e do governo Dilma, as três pernas do tripé fraquejaram.

A presidente diz que o tripé continua de pé. Para os desenvolvimentistas, a análise é inversa: o melhor para o Brasil ocorreu a partir do segundo mandato de Lula e o modelo que o sr. defende amarra o crescimento.
Os números não mostram isso. O desempenho do governo Dilma está sendo pior do que o do primeiro FHC, que também foi errado, porque manteve o câmbio.

O empresariado pode desembarcar do apoio à presidente Dilma e apoiar Marina?
Esses movimentos não são nunca em bloco. O que me entristece é ver boa parte do empresariado brasileiro tutelado pelo governo e neutralizado na sua capacidade de crítica pelo fato de depender de obséquios, favores, subsídios e proteção que o governo oferece. O empresariado brasileiro em boa parte se comporta como súdito e não como cidadão. O governo abriu esse balcão de negócios. Começou a negociar caso a caso tarifa de proteção para setor, a abrir os cofres dos bancos estatais para os empresários. Como é que um empresário que está dependendo de um crédito de um banco estatal vai poder aparecer publicamente criticando o governo? Ele fica tolhido. A elite empresarial está no bolso do governo.

Mas muitos afirmam que há um mal-estar entre governo e empresariado. Isso não existe?
Há uma frustração enorme com o potencial desperdiçado do Brasil. O país está vivendo um retrocesso. Mas o empresariado não vocaliza. Há poucas exceções.

Isso pode mudar num ano eleitoral?
Acho muito difícil mudar publicamente. O mapa eleitoral da Dilma está muito associado a 40 milhões de contracheques [pagamentos ao funcionalismo em todos os níveis, aposentadorias, pensões e benefícios sociais]. Na elite, o governo tem um controle da situação pelo cofre e pela manipulação de desonerações tributárias, tarifas de importação, leis, subsídios, créditos.

Fazendo um discurso de austeridade, Marina atrai o mercado financeiro. Ela virou a candidata das finanças?
Longe disso. O primeiro governo Lula foi um governo do mercado financeiro? Foi um governo bom para o Brasil. E sendo bom para o Brasil foi bom para parte do mercado financeiro. Mas não foi feito para o mercado financeiro. Foi feito para o Brasil consolidar uma conquista que é da sociedade.

Então, um eventual governo Marina seria mais parecido com o segundo mandato FHC e o primeiro de Lula?
Sim. No tocante à política macroeconômica, não vamos reinventar a roda. Vamos continuar o que estava funcionando muito bem no Brasil, que é o tripé.

A desindustrialização preocupa?
Lógico. O Brasil não pode assistir passivo ao desaparecimento de sua base industrial.

Isso tem a ver com o câmbio?
Não só e não pode ser com artificialismo. Precisamos aumentar a competitividade e a produtividade. O governo apostou em microgerenciamento e entrou numa espiral intervencionista. Não funciona. No petróleo, outra confusão. Tornam a Petrobras responsável por pelo menos 30% dos investimentos no Pré-Sal e, ao mesmo tempo, puxam o tapete da Petrobras segurando os preços dos combustíveis. O governo vinha de dois bons momentos de política macroeconômica, durante FHC e o primeiro governo Lula.

O sr. elogia esses períodos, mas eles foram de baixo crescimento, ruins, certo?
Foi quando se plantaram as bases de um crescimento melhor no Brasil. FHC privatizou, quebrou monopólios, acabou com a discriminação do capital estrangeiro, fez a lei de responsabilidade fiscal. No primeiro governo Lula, a agenda microeconômica foi formidável, porque melhorou o ambiente de negócios: nova lei de falências, alienação fiduciária, crédito consignado. Estava indo bem.

Deveria haver mais privatização?
A Petrobras é uma empresa de economia mista. Deveria atuar dentro de critérios mais de mercado. Não acho que seja o caso de privatizar integralmente a Petrobras. Onde a estatização foi longe demais é no crédito.

Os bancos estatais deveriam ser privatizados?
Eles não deveriam ser empurrados a oferecer crédito e receber financiamento do Tesouro com endividamento publico. O Banco do Brasil precisaria atuar dentro de parâmetros muito mais austeros.

O que deveria mudar nas políticas sociais?
Não tenho nenhum problema com transferências de renda. Qualquer sociedade organizada deve ter uma rede de proteção social. O que não me parece bom é criar uma expectativa de que isso é um modo de vida permanente. Ninguém fala de capacitar realmente cidadãos.

O que o sr. acha da política de reajuste do salário mínimo?
Corrigir o salário mínimo pelo crescimento de dois anos atrás e o IPCA do ano anterior não tem o menor sentido. Também é complicado reajustar o benefício previdenciário pelo salário mínimo. Atrelar perpetuamente ao salário mínimo não faz sentido.

Como deveria ser?
Não temos ainda uma fórmula pronta.

O sr. concorda que Eduardo Campos tem um discurso mais desenvolvimentista, enquanto Marina se posiciona para o lado neoliberal?
Temos que nos posicionar em torno do valor central que é a sustentabilidade. Mais Estado ou mais mercado? Em algumas coisas, mais Estado; em outras, mais mercado.

O grupo de Marina está à direita ou à esquerda de FHC?
Não sei dizer. Essa tentativa de categorizar numa relação binária toda uma proposta complexa me parece muito precária.

Em relação a Lula e Dilma, como o sr. situa Marina?
Menos estatizante que Dilma.

Um governo Marina reduziria o tamanho do Estado?
Não dá para colocar tudo num pacote. Para algumas coisas precisa de mais Estado e, para outras, menos Estado. O Estado deveria estar mais atuante na saúde pública, no ensino fundamental, no saneamento básico. Não entendo um governo que coloca tanta ênfase num trem bala e deixa esquecida a questão do saneamento básico.

Mas a questão estatizante o sr. coloca à esquerda?
Esse governo tem uma mentalidade nacional-desenvolvimentista semelhante a que prevaleceu no Brasil durante o governo Geisel.

Um eventual governo Marina não seria isso?
Não, seria desenvolvimento sustentável, com ênfase em capital humano e respeito ao patrimônio ambiental.

Como se equaciona para o empresariado esse desenvolver com sustentabilidade?
Para começo de conversa terminando com subsídios que são muito onerosos ambientalmente. Por exemplo, para o automóvel.

Então montadoras teriam uma vida dura num governo Marina?
Não é uma coisa a ser estimulada.

Belo Monte não seria construída num governo Marina?
Não teria sido aprovada. Belo Monte não se viabiliza nem termos estritamente econômicos.

Desenvolvimento sustentável significa um ritmo menor de crescimento?
Não, mas não é crescimento a qualquer preço. O que interessa é o crescimento da renda com qualidade de vida.

Muitos dizem que esse raciocínio implica dizer: não dá para crescer no ritmo que os outros cresceram; o melhor é se contentar com pouco.
Se tudo der certo no Brasil, a gente vira um EUA? Acho que não faz o menor sentido.

Mas o Brasil não precisa se preocupar em gerar empregos e riqueza? Essa sinalização de que não se poderá crescer muito é boa?
Não colocaria que não pode crescer muito. Precisamos encontrar um caminho de crescimento adequado às nossas necessidades e sustentável ambientalmente.

Isso significa ritmo menor?
Ritmo é menos importante do que a qualidade. Crescer 7% destruindo patrimônio ambiental é muito pior do que se crescer 3% preservando patrimônio ambiental e, na medida do possível, melhorando as condições de vida. O crescimento em si não é o objetivo. Nenhum governo pode prometer crescimento. Crescimento é uma escolha que a sociedade faz. O governo não tem uma alavanca. Pode oferecer um ambiente mais amigável ou não.

O sr. acha que a Marina ofereceria um ambiente mais amigável com essas restrições ambientais?
Temos que separar duas coisas. Uma é o grau de exigência ambiental para um país como o nosso. Outra é como vai ser o processo de seleção de investimentos. Vamos ter um nível de exigência alto, mas os processos podem ser mais ágeis e confiáveis.

Esse conjunto de ideias é mais próximo de um programa de Aécio do que um de Dilma?
Há pessoas afinadas com essas ideias em diferentes partidos. Não vi o programa do Aécio. Certamente temos muitas criticas a esse governo. Queremos trabalhar com lideres e técnicos vindos das mais diferentes agremiações. A diferença é que vai ser um governo de programa, e não de coalizão oportunista.

O sr. fala do programa da Marina presidente?
É. Pelo que entendi, Eduardo Campos está de acordo com essa forma de fazer política, embora ele não viesse praticando isso até a aliança com Marina. Ele está indicando que vai mudar.

Em que sentido?
A partir de agora não fazer alianças com base em tempo de TV, fundo partidário, ganhos imediatos de campanha, mas fazer aliança com base em acordo programático.

Mas o seu grupo fez exatamente isso: se aliou ao PSB para usar fundo partidário, horário de TV, por interesse.
De jeito nenhum. Se fosse o caso, Marina poderia ter ido para o PPS ou para outro partido.

Foi uma opção por um partido mais forte.
Mas, se não houver uma convergência de programa, isso não tem o menor sentido. Há um elemento de confiança que vai se construir na criação de um programa em torno do qual possamos trabalhar.

Marina vai ser cabeça de chapa?
Não sei. Isso ainda não está definido e vai depender do desenrolar do quadro sucessório no primeiro semestre do ano que vem.

Como vai ser essa discussão de programa entre o grupo de Marina e o PSB?
É a construção de um programa unificado. Não sei qual é a proposta e o programa do PSB na área econômica.

Como entra a questão socialista nesse debate? Parece muito distante do que o sr. está falando?
Gostaria de entender melhor o lado semântico dessa palavra. Feudalismo, capitalismo, socialismo, comunismo --essas palavras perderam a utilidade.

Quais são as maiores dificuldades dessa fusão PSB-Rede?
Vai ser muito trabalhoso construir um programa e ter a garantia de que ele reflita de fato um compromisso de governo. Não tem nenhuma garantia prévia de que esse processo resulte num entendimento enraizado e profundo dos valores que justificam a colocação de uma alternativa para o país. Não sei qual é a proposta e o programa do PSB na área econômica.

Nesse processo, grupos de classe média mais ligados à ecologia ficaram frustrados?
Imagino que sim. Eu mesmo ainda não metabolizei totalmente isso. Estou esperando a poeira sentar. Se puder colaborar com uma alternativa que me encanta, farei isso. Se sentir que não posso fazer isso porque não há confiabilidade e a discussão entrar num processo escorregadio e desgastante, com visões muito diferentes, estou fora.

Como o sr. avalia ter como aliados personagens como Ronaldo Caiado, Heráclito Fortes, Bornhausen?
O PSB, liderado pelo Eduardo Campos estava fazendo o jogo tradicional da velha política brasileira. Ao se aliar com a Rede, ele está indicando que não vai continuar fazendo isso.

Como o sr. encara questões como aborto, criacionismo, uso de células tronco?
Quando me aproximei de Marina, em 2009, tinha nesse ponto a minha principal restrição. Porque eu tenho ideias até libertárias em relação a aborto, drogas, relações homoafetivas. Sou a favor da legalização das drogas leves. Creio que o aborto é um direito da mulher dentro de certos limites. Não vejo como negar aos homossexuais o direto de constituírem uma união estável.

E o criacionismo?
É uma doutrina religiosa, não tem nada a ver com biologia e em nenhuma hipótese deve ser ensinada.

Mas Marina...
Não. Numa escola religiosa, que já ensinava o criacionismo, ela disse que deveriam ensinar os dois. Marina me surpreendeu muito. Observei de perto como ela separa a fé a as convicções pessoais dela do debate público e dos caminhos que a sociedade brasileira escolhe.


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