Folha de S. Paulo


Sérgio Silva, 31

Minha história: Após perder olho em protesto, fotógrafo tenta se adaptar à nova realidade

O fotógrafo Sérgio Silva, 31, perdeu a visão do olho esquerdo após ser atingido por um tiro de bala de borracha disparado pela Polícia Militar. A lesão ocorreu durante a manifestação de 13 de junho contra o aumento da tarifa do transporte público na capital paulista, marcada pela truculência policial. Três meses depois, ele tenta se adaptar à nova realidade.

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Sou de São Paulo, no bairro do Ipiranga. Já trabalhei como office-boy, passei por empresas multinacionais, mas sempre fui um fotógrafo amador.

Aos 25 anos, decidi que queria trabalhar com fotografia, me profissionalizar. Comecei a estudar em diversos cursos. Três anos atrás comecei a trabalhar profissionalmente, como fotojornalista e freelancer.

No fotojornalismo, as mobilizações sociais sempre me chamaram a atenção. Movimentos de rua, ocupações, desalojamentos, reintegrações de posse, situação de usuários de droga, moradores de rua...

Eu tive a sorte de nunca ter de cobrir onde ocorreu conflito. Nunca me interessei pelo calor da notícia, aquela febre de vender a foto da primeira página.

Eu gostava de acompanhar o processo, de ver como pessoas que invadiram determinado lugar estavam vivendo.

Particularmente, o que eu gosto de fazer –muitas vezes por amizade– é o trabalho ligado à música. Fotografei muitos shows, grupos musicais.

Sérgio Silva/Arquivo pessoal
O fotógrafo Sérgio Silva, atingido por uma bala de borracha no protesto de 13 de junho em SP
O fotógrafo Sérgio Silva, atingido por uma bala de borracha no protesto de 13 de junho em SP

LESÃO

Hoje, sexta-feira 13, completam-se três meses da minha lesão. Estava no momento em que começou o conflito, com os policiais que estavam em formação de ataque na rua da Consolação e começaram a atirar contra os manifestantes, contra a imprensa, contra as pessoas que circulavam pela rua.

O que eu me lembro, um momento antes de ser atingido, é que foi uma coisa muito rápida.

As bombas começaram a cair para todos os lados, bala de borracha, efeito moral, bomba de gás lacrimogêneo, todas disparadas ao mesmo tempo e em todas as direções e em quantidade absurda. Foi uma coisa muito rápida.

Começou por volta das 18h30 e, em 15 minutos, eu já estava sendo carregado. Primeiro fui ao Hospital 9 de Julho, o mais acessível naquela região. Dali, tive de ser transferido na madrugada a um hospital especializado em tratamento ocular.

PRIMEIRA CIRURGIA

Tive de passar por uma primeira cirurgia porque a bala de borracha fez um corte dentro do globo ocular. Ganhei cinco pontos internos.

A equipe médica optou por não fazer uma cirurgia para recuperar o olho porque poderia agravar ainda mais a perda de visão.

Foi feita essa opção, junto comigo, de aguardar uma recuperação natural do olho, o que, no decorrer desses três meses, não ocorreu. É irreversível.

Kátia Passos - 14.jun.2013/Divulgação
O fotógrafo na época em que estava no Hospital 9 de Julho
O fotógrafo na época em que estava no Hospital 9 de Julho

POLÍCIA MILITAR

Nem a Polícia Militar nem a Secretaria de Segurança Pública nem o governo do Estado me procuraram. Nem quando eu estava no hospital. Nem espero mais nenhum tipo de contato.
Tenho dito que a Polícia Militar e o Estado não são capazes nem de entregar um lenço para enxugar as minhas lágrimas.

Estou tentando me reencontrar como fotógrafo. Todo fotógrafo fecha um olho e deixa o outro aberto para fotografar. Mas, antes disso, você precisa ter um campo de visão ampliado, noção de profundidade. E hoje tenho isso reduzido.

Eu voltei a estudar fotografia, mas os meus projetos remunerados ficaram parados. Trabalho remunerado, ainda não.

PROCESSO

Estou com uma equipe de advogados levantando o máximo de provas possíveis, aguardando um laudo médico oficial.

Com certeza vou entrar com uma ação contra o Estado. Eu tenho esse direito. Eu me tornei, involuntariamente, um militante da desmilitarização da polícia.

Não que normalmente eu não fosse contra esse tipo de violência. Nunca aceitei violência de nenhuma parte, principalmente de uma instituição que tem o dever de proteger o cidadão, mas que, quando está no comando, é totalmente autoritária.


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