Folha de S. Paulo


Rua em bairro valorizado de Porto Alegre vai virar quilombo

Uma rua inteira na região central de Porto Alegre será desapropriada pelo governo federal para a criação de um quilombo urbano.

A área, hoje do Estado e da prefeitura, fica em um bairro da capital gaúcha onde o m² chega a R$ 6.000. Está cercada por condomínios e locais movimentados, como prédios públicos e um shopping.

Segundo laudo antropológico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, lá vivem descendentes de escravos de uma baronesa dona do terreno no século 19.

Serão 67 famílias beneficiadas. O futuro quilombo, chamada de Areal, é uma rua estreita, sem saída, de cem metros de extensão. Tem casas simples que destoam do padrão da vizinhança. Parte delas ostenta fachadas antigas.

Se a demarcação for concretizada, a posse do terreno será transferida para uma associação de moradores autodeclarados quilombolas --o título, coletivo, não poderá ser vendido. Contestações podem ser feitas até outubro.

De acordo com a associação, duas das 67 famílias descendem de escravos que ocuparam a rua. Os demais se mudaram para lá ao longo do século passado. Há moradores brancos contemplados.

Os antropólogos responsáveis pelo laudo apontam uma identidade própria da comunidade --como culto de religiões de matriz africana e uma escola de samba mirim.

"Uma comunidade quilombola pode abrigar pessoas com laços de parentesco, afinidade, compadrio. Isso independe da origem", afirma o coordenador de projetos do Incra-RS, José Tagliapietra.

R$ 500 MIL

A poucas quadras do futuro quilombo, o preço médio de um imóvel supera R$ 500 mil. A boa localização mobilizou moradores em prol da demarcação, no começo dos anos 2000.

Nem todos, porém, estão plenamente satisfeitos com a novidade. A aposentada Helena Maciel mora com o filho em um sobrado simples na rua e não quis se vincular à entidade que terá posse do terreno. "Queria a liberdade de vender ou alugar a casa. Não ter direito não é justo."


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