Folha de S. Paulo


Análise: Caso Donadon é prévia do que pode acontecer com condenados do mensalão

Quatro fatores principais levaram à absolvição do deputado presidiário Natan Donadon na Câmara na quarta-feira. São os seguintes: 1) a extrema fragmentação partidária que aumenta o grau de imprevisibilidade de votações secretas; 2) a inexistência hoje de líderes políticos que exerçam influência ideológica real dentro do Congresso; 3) a irritação latente de uma parte dos políticos com as declarações e atitudes de integrantes do STF; 4) um descaso renitente do Poder Legislativo com a opinião pública.

Dentro da Câmara há hoje 23 partidos representados. Pode-se dizer que há 24, pois alguns deputados estão sempre fazendo "pit stop" no grupo dos "sem partido". Não existe na natureza um número tão grande de ideologias distintas. Nunca na história do Congresso tantas agremiações estiveram representadas ao mesmo tempo.

Para emprestar uma terminologia em voga na medicina, essas siglas se comportam como radicais livres, sem controle. O "betacaroteno" que poderia combater esses corpos desgovernados é a opinião pública sempre presente, pressionando. Mas na noite de quarta-feira não havia ninguém protestando nas galerias da Câmara.

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Mesmo sem cidadãos indignados, o Congresso pode assumir posições mais altivas. Mas nesse caso é necessário que existam líderes respeitados dentro da Casa. Não é o caso. Hoje, nenhum deputado ou senador tem o poder de pedir o microfone para fazer um discurso e constranger seus pares moral ou eticamente.

Do ponto de vista institucional, nesse vácuo de líderes, caberia então aos presidentes da Câmara e do Senado tentarem assumir esse papel. Mas os comandantes das duas Casas, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Renan Calheiros (PMDB-AL), não conseguem chegar nem perto desse tipo de atitude.

Nesse ambiente, o caldo de cultura fica ainda mais propício para absolver pessoas como Natan Donadon por causa da animosidade crescente entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Onde isso fica mais evidente é no fundo do plenário da Câmara. O local é conhecido como "Valle de los Caídos" (o "Vale dos Caídos") -não numa referência ao memorial franquista da Espanha, mas à situação em que os deputados se consideram de fato: deixados de lado, caídos.

É quase impossível encontrar no "Valle de los Caídos" deputados que simpatizem com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, sempre crítico à leniência do Congresso a respeito de punir seus pares. Não há meio científico de comprovar, mas certamente uma parcela não desprezível dos que votaram para salvar Donadon devem ter pensado: "Quero ver agora o que o Joaquim Barbosa vai fazer".

É uma prévia do que poderá vir a ocorrer se os deputados mensaleiros condenados forem julgados numa sessão secreta como a de Donadon.

Por fim, os deputados votaram como votaram porque sabem muito bem que o custo desse desgaste ficará diluído na opinião pública. Nas suas cidades, cada deputado tem seus cabos eleitorais e suas emendas ao Orçamento para distribuir dinheiro para obras paroquiais. Vai sempre dizer que é diferente.

O saldo mais negativo fica para a imagem do Congresso, cada vez mais depauperada -indo além do fundo do poço, numa espécie de viagem ao centro da Terra interminável não prevista nem em livros de Júlio Verne.


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