Folha de S. Paulo


Fiscalização aponta irregularidades em contratos da CPTM

A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) fez duas concorrências internacionais em 2002, vencidas pela Siemens e pela Alstom, em que houve direcionamento e restrição à competitividade, segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE). O órgão de fiscalização considerou irregulares as licitações.

O valor atualizado dos dois contratos, para a manutenção de dois modelos de trens, é de R$ 430 milhões.

Serra defendeu interesses do Estado em licitação de trens em SP, diz Aécio
Governador de SP afirma querer ampla investigação
Falcão diz que PT participará de protesto e fala em 'trensalão'
E-mail indica 'cartas marcadas' em licitação de 2004
Estado nega haver discutido projeto com empresas
Governo pressionou concorrentes a fazer acordo, afirma diário

A Siemens fez um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão de combate a práticas anticoncorrenciais, no qual confessa que integrou um cartel que visava driblar as disputas de preço.

A Alstom e outras 17 empresas integravam o cartel, de acordo com a Siemens. Todas foram contratadas, direta ou indiretamente, para fazer manutenção na CPTM.

O documento em que a Siemens confessa as irregularidades cita a concorrência para a manutenção de trens: "[...] caso as empresas não firmassem um acordo anticompetitivo, a Siemens apresentaria uma proposta comercial de valor bem mais baixo [...]. Em uma situação de competição efetiva, a Siemens apresentaria uma proposta de valor até 30% mais baixo".

Se é verdade o que diz a Siemens, a CPTM pagou R$ 129 milhões a mais. A CPTM diz que fez uma sindicância e concluiu que não houve prejuízo aos cofres do Estado.

Os contratos foram assinados em agosto de 2002, com uma semana de diferença, e incorreram nas mesmas irregularidades, praticamente. À época, Geraldo Alckmin (PSDB) governava o Estado.

Eduardo Anizelli/Folhapress
Estação Guaianases da CPTM vazia durante greve em maio deste ano
Estação Guaianases da CPTM vazia durante greve em maio deste ano

DIRECIONAMENTO

O tribunal afirma nos julgamentos que o direcionamento ocorria por meio da exigência de tempo de experiência dos profissionais das empresas que queriam prestar o serviço. Isso ocorria em duas fases da disputa, na pré-qualificação e na licitação, o que é vetado pela lei.

Exigir experiência profissional na pré-qualificação é legal e uma forma de barrar empresas sem experiência.

O problema, segundo o Tribunal de Contas, é que, depois de as empresas provarem ter profissionais com experiência, essa exigência servia para um sistema de pontuação que privilegiava companhias com engenheiros com maior tempo de serviço.

Dessa forma, a empresa com um profissional com 10 a 12 anos de experiência conseguia 8 pontos na classificação. Um concorrente com um profissional com mais de 12 anos ganhava 16. Não havia explicação sobre as razões de um engenheiro com 13 anos de experiência valer o dobro de um com 12.

Um diretor da CPTM à época do contrato contou à Folha, sob a condição de anonimato, que as exigências técnicas eram uma forma de vetar empresas pequenas e direcionar a licitação.

A importância de profissionais com "acervo técnico" (experiência em certa área) é estratégica para as empresas.

Na disputa pelo contrato de manutenção do metrô de Brasília, a Siemens contratou dois funcionários da Alstom para obter mais pontos. A estratégia deu certo.

OUTRO LADO

A CPTM afirma que sindicâncias abertas pela empresa sobre os dois contratos concluíram que não houve prejuízo aos cofres públicos nos negócios fechados em 2002.

As concorrências internacionais visavam a manutenção de dez trens da série 3000 e 48 veículos da série 2100. Os contratos movimentaram, respectivamente, R$ 33,7 milhões (para a Siemens) e R$ 154,7 milhões (para a Alstom-CAF), em valores da época.

A empresa diz que abriu as investigações após ser notificada pelo Tribunal de Contas do Estado e que as conclusões foram encaminhadas ao TCE.

Além disso, afirma a CPTM, os processos do TCE somente foram encerrados depois da execução dos serviços e da extinção dos contratos.

A CPTM disse que não comentaria questões relacionadas à suposta divisão de contratos entre empresas.

ALSTOM

Procurada pela reportagem, a Alstom diz ter recebido "um pedido do Cade para apresentar documentos relacionados a um procedimento administrativo referente à lei concorrencial. A empresa está colaborando com as autoridades."

SIEMENS

A confissão de que integrava um cartel no Brasil faz parte de uma estratégia da Siemens alemã de tentar acabar com os negócios ilícitos envolvendo suas filiais mundo afora. Há razões econômicas e de mercado.

Por causa do pagamento de propina, a Siemens pagou multas de € 1,2 bilhão (R$ 3,6 bilhões) para órgãos do governo dos EUA e da Alemanha em 2008 e 2009.

A multa foi paga porque a Siemens violou lei norte-americana que veta pagamento de propina para companhias que têm negócios naquele país. A Siemens violou essa lei na Argentina, na Venezuela, na Turquia, no Kuwait e em países da Ásia Central.

No acordo brasileiro, a empresa confessou práticas anticoncorrenciais, mas não menciona propina.

A Siemens publica na capa da edição deste domingo (11) da Folha informe publicitário (veja abaixo) em que reafirma cooperar com as autoridades no esclarecimento das denúncias de suposto cartel no fornecimento de trens e manutenção de linhas. A multinacional sustenta ainda que estabeleceu, desde 2007, sistema para detectar, remediar e prevenir práticas ilícitas.

Reprodução
Anúncio da Siemens publicado na primeira página da *Folha* de 11 de agosto de 2013
Anúncio da Siemens publicado na primeira página da Folha de 11 de agosto de 2013

Endereço da página:

Links no texto: