Folha de S. Paulo


Análise: Interceptação telefônica não pode ser única fonte de provas

Interceptações telefônicas são um meio excepcional de investigação. Junto com a infiltração de agentes, são os dois mecanismos aceitos pelo Supremo que permitem ao Estado obter provas diretamente do suspeito sem que ele saiba que suas declarações poderão incriminá-lo.

Um monitoramento de e-mail ou de conversas telefônicas pode servir bem à investigação criminal: indicar novos caminhos e novos suspeitos. Pode até mesmo constituir uma prova que será determinante no processo penal.

Ministério Público grampeou ao menos 16,4 mil telefones

Por outro lado, há quem diga que nenhum casamento sobreviveria a 6 meses de interceptação telefônica. Afinal, muito do que se fala, embora não constitua violação aos votos matrimoniais, pode ser interpretado de forma bastante "incriminadora".

O mesmo valeria para investigações criminais.

É mais confortável para quem deve investigar aguardar, em postura passiva, que o investigado produza a "prova incriminatória". Mas isso pode empobrecer a investigação. E enviesar a reconstituição dos fatos. E, portanto, gerar uma visão limitada, e quiçá equivocada, do conjunto de fatos que precisa ser reunido para que se possa, mais lá na frente, condenar o culpado de um crime. Por isso há quem sustente que essa não pode ser a única fonte de provas, indícios ou caminhos para a apuração de um crime.

Certamente não deve ser a primeira forma de investigação, pois a lei que autoriza essa forma de investigação a limita aos casos em que não há outros meios disponíveis.

A investigação deve ser profunda. A interceptação de comunicações do suspeito apenas arranha essa superfície. E isso não basta. Não basta para punir culpados e não basta para sujeitar inocentes a um processo criminal.

A disputa entre Ministério Público e Polícia pela primazia da investigação criminal esconde o verdadeiro problema da baixa qualidade da investigação no Brasil. Não importa quem vença a disputa, o país perde se não houver uma preocupação séria com a mudança na metodologia de investigação dos crimes.
Senão, prosseguiremos incapazes de punirmos os autores de crimes complexos ou sofisticados.

THIAGO BOTTINO é professor da FGV Direito Rio


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