Folha de S. Paulo


Governo pressionou concorrentes a fazer acordo, afirma diário

O governo do Estado de São Paulo pressionou as empresas que disputaram um contrato milionário do metrô no fim da década de 90 a fazer um acordo para dividir a encomenda, segundo o diário escrito por um executivo da multinacional alemã Siemens na época da disputa.

As anotações do diário sugerem que o governo, descrito como o "cliente", foi um participante ativo das negociações entre as empresas, que agora estão sob investigação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça.

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O diário foi entregue ao governo federal pela própria Siemens, que fez um acordo com as autoridades brasileiras para colaborar com as investigações e assim evitar as punições previstas pela legislação para a prática de cartel.

Escrito por um gerente de vendas da Siemens, Peter Rathgeber, o documento oferece um relato detalhado das negociações entre as empresas que disputaram a licitação aberta para comprar os trens da linha 5 do metrô, que vai do Capão Redondo ao largo Treze, na zona sul da capital.

A licitação foi iniciada em 1998 e concluída no ano 2000, período em que o Estado foi administrado pelo governador Mário Covas (PSDB), morto em 2001. O valor do contrato era estimado em cerca de R$ 620 milhões.

Várias empresas, entre elas a Siemens, a francesa Alstom e a espanhola CAF, participaram da disputa. Elas entraram separadas na primeira fase da licitação e no fim formaram um consórcio que concorreu sozinho e venceu.

'QUE SE ENTENDAM'

Os documentos da Siemens mostram que as empresas fizeram várias reuniões até o acerto final, que o Cade vê como um conluio que acabou com a livre concorrência na disputa pelo contrato.

As anotações no diário de Rathgeber sugerem que a intenção do governo, ao incentivar as empresas a formarem o consórcio, era evitar que a disputa empresarial paralisasse a licitação e atrasasse a entrega dos trens do metrô.

"O cliente não quer que o projeto seja prejudicado por reclamações, pedindo então aos participantes que se entendam", escreveu o executivo em 4 de novembro de 1999. O medo do governo era que as concorrentes apresentassem recursos administrativos e judiciais contra os rivais.

Rathgeber anotou que as empresas vinham fazendo "reuniões secretas" para discutir o contrato, "de acordo com o desejo do cliente". Segundo o executivo, àquela altura a ideia era repartir "o bolo" entre cinco companhias.

No dia 14 de fevereiro de 2000, Rathgeber resumiu os termos do acordo fechado "por pressão do cliente". Com "a união" das empresas concorrentes, "o cliente recusará os recursos contra desqualificação" e "ninguém reclamará", anotou o executivo.

O secretário estadual de Transportes Metropolitanos na época, Claudio de Senna Frederico, afirmou que nem ele nem o governador Covas tinham conhecimento sobre o acerto entre as empresas.

Procurado pela Folha, o Cade informou que o caso está sob sigilo e nenhuma informação sobre o assunto poderia ser repassada à imprensa.

Editoria de Arte/Folhapress

OUTRO LADO

O ex-secretário estadual de Transportes Metropolitanos Claudio de Senna Frederico negou que ele ou governador Mário Covas tenham exercido pressão para um acerto entre empresas participantes da licitação da linha 5 do metrô.

De acordo com Frederico, ele e Covas também não tinham conhecimento sobre o suposto conluio. "Nem eu nem o Mário Covas chegamos a fazer qualquer pressão para que empresas fizessem acordos. Não ficamos sabendo de nada a esse respeito", disse o ex-secretário, que chefiou a pasta de 1995 a 2001.

A Siemens informou que, "tendo em vista que as investigações ainda estão em andamento e a confidencialidade inerente ao caso", não poderia se manifestar "quanto ao teor das matérias que têm sido publicadas pelos veículos de comunicação".

"A empresa coopera integralmente com as autoridades, manifestando-se quando requerido e se permitido pelos órgãos competentes", diz a nota da companhia.

"Desde 2007, a Siemens tem feito grandes esforços para aprimorar seus programas de compliance [combate a fraudes] em todo o mundo", acrescentou a empresa.

Em nota, a Alstom afirmou "que recebeu um pedido do Conselho Administrativo de Defesa Econômica para apresentar documentos relacionados a um procedimento administrativo referente à lei concorrencial" e está colaborando com as autoridades.

Representantes da espanhola CAF e da DaimlerChrysler não foram localizados ontem à noite.


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