Folha de S. Paulo


Contra Planalto, comissão aprova execução obrigatória de emendas; texto vai a plenário

Em mais uma derrota do governo, e com atuação explícita do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB), a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que torna obrigatória a execução financeira de emendas parlamentares foi aprovada na noite desta terça-feira (6) pela comissão especial criada para analisar o projeto. O texto deverá ir a votação no plenário da Câmara nesta quarta-feira (7).

Numa quebra de protocolo, a interferência direta do presidente da Casa envolveu até mesmo o cancelamento das votações previstas no plenário da Câmara.

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"A ordem do dia da Câmara dos Deputados hoje é a pauta dessa comissão especial, pela sua importância", declarou Henrique Alves, na sala da comissão, no início da noite desta terça, numa quebra de protocolo. É raríssimo que o presidente da Câmara vá pessoalmente a sessões de comissões da Casa. Henrique acompanhou todo o processo de votação da matéria, inclusive pedindo a parlamentares que acelerassem o debate. A sessão da comissão durou mais de seis horas.

O governo é contra o projeto por causa dos gastos extras que terá de cobrir. Em reuniões feitas com deputados e senadores, a presidente Dilma Rousseff prometeu dialogar mais com aliados desde que votações desagradáveis ao Planalto fossem barradas.

As emendas parlamentares são um dos pontos mais sensíveis na relação entre o Congresso e o Executivo. A liberação das verbas é usada como moeda de troca, pelos dois lados, especialmente em meio a votações de projetos estratégicos.

Pela legislação atual, cada parlamentar pode apresentar, anualmente, até R$ 15 milhões como complemento ao Orçamento da União. Contudo, não há obrigação legal de execução dessas verbas adicionais apresentadas por deputados e senadores. Pelo contrário, elas costumam ser o alvo preferencial da equipe econômica do governo quando há necessidade de cortes no Orçamento ao longo do ano.

O texto aprovado estabelece que o governo fica obrigado a executar as emendas, isonomicamente entre os parlamentares (portanto, sem privilegiar este ou aquele partido), até o limite de 1% da receita corrente líquida verificada no ano anterior. A execução, no texto aprovado, envolve o pagamento efetivo dos valores a Estados e municípios indicados por parlamentares - e não apenas o empenho dos recursos (no jargão orçamentário, a reserva dos recursos no Orçamento).

Em 2012, a receita corrente líquida da União foi de R$ 617 bilhões. Ou seja, hoje o governo seria obrigado a executar R$ 6,2 bilhões em emendas individuais, praticamente o mesmo valor que o Planalto decidiu liberar este ano para conter a insatisfação da base. No rateio igualitário entre os parlamentares, isso representaria R$ 10,4 milhões para cada deputado e senador.

Editoria de arte/Folhapress

AJUSTES

O governo conseguiu atenuar parte do estrago. Uma proposta apresentada pelo deputado Espiridião Amin (PP-SC), e acatada pelo relator, estabelece que, caso o governo decida contingenciar, por exemplo, 10% das despesas não obrigatórias, as emendas parlamentares também podem ser contingenciadas até esse mesmo limite de 10%.

Outro ajuste veio a partir de pedido do deputado Alessandro Molon (PT-SP). O texto original previa a obrigatoriedade de transferências para Estados e municípios, desconsiderando eventuais casos de municípios inadimplentes com o governo federal. Molon alertou que o trecho poderia ser considerado inconstitucional.

Com isso, exceções que permitam a liberação para municípios nessas situações serão definidas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), definidas a cada ano. Assim, é possível, por exemplo, que um município inadimplente, possa receber emendas direcionadas para saúde e educação.

A alteração não impediu Molon de votar contra o relatório.

Fez o mesmo o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), porta-voz informal da contrariedade do Planalto com a PEC. Ele apresentou diversas outras tentativas de ajustes no textos, entre elas a redução da obrigatoriedade para execução de emendas, de 1% para 0,5% da receita líquida. A proposta, contudo, foi rejeitada.

HENRIQUE EDUARDO ALVES

O principal fiador político da proposta é justamente o presidente Henrique Eduardo Alves. O tema foi uma das bandeiras centrais da sua campanha para a presidência da Câmara. A aprovação do projeto na comissão, e a promessa de votação imediata no plenário, é uma derrota para os interesses do Palácio do Planalto, que tentou convencê-lo, por meio de líderes da base na Câmara, a adiar a discussão.

Alves não apenas não desistiu como fez questão de, quebrando o protocolo, ir pessoalmente à comissão na tarde desta terça fazer uma espécie de preleção aos deputados que examinariam a proposta. Indiretamente, deixou um recado para o Planalto ao dizer ter "plena consciência" de seus atos.

"Da mesma forma que, antes, eu pedi para que não votassem a matéria, para permitir mais discussão, vim aqui agora para pedir para que votem hoje, porque a matéria já está suficientemente amadurecida", disse Henrique Alves aos deputados, num discurso diametralmente oposto ao do Planalto. "Tenho plena consciência dos meus atos. Estou aqui dando continuidade a um compromisso que assumi como candidato à Presidência da Câmara dos Deputados."

O peemedebista, que voltou mais tarde à comissão, disse ainda que Dilma nunca pediu a ele que deixasse de encaminhar a votação do projeto. E alfinetou o PT.

"Pesquisei discursos do PT na época do governo Fernando Henrique Cardoso, reclamando exatamente o que PSDB e DEM reclamam hoje, que o governo só libera [emendas] para a base", disse.

O deputado Ricardo Berzoini respondeu: "Naquela época, era verdade."


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