Folha de S. Paulo


Papa é inovador sem se distanciar da tradição, diz padre que pesquisa diversidade sexual

O papa Francisco faz uma abordagem inovadora da questão da moral sexual, mesmo sem se distanciar da tradição, de acordo com a opinião de um padre jesuíta que faz pesquisas sobre diversidade e homossexualidade.

O padre Luís Corrêa Lima é professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio, tem doutorado em história, estuda diversidade sexual --entre outros temas-- e elogiou publicamente, em 2011, a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de reconhecer a união gay. Ele interpreta como inclusivas as recentes declarações do pontífice sobre gays, dadas em entrevista para jornalistas que embarcaram a Roma com ele.

"O papa não pode se distanciar da opinião dos bispos. Seus pronunciamentos são muito prudentes, e não teria como ser diferente. Mas Francisco inova ao considerar a aplicação da moral em circunstâncias concretas", diz, acrescentando que o pontífice prefere se dedicar a questões sociais e não a proibições morais.

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"Este é o caminho certo, da cultura do encontro e da acolhida", diz Lima. "É isso que vai permitir que a igreja conheça pessoas diferentes e veja a realidade delas com outros olhos, abrindo caminho para mudanças".

De acordo com o estudioso, trata-se do elemento idealista da mensagem cristã, que estimula a luta por um mundo melhor. "Bento 16 já tinha mencionado essa mensagem mas não a desenvolveu", diz Lima, referindo-se a uma entrevista que o antecessor de Francisco deu à imprensa alemã em 2006.

Nela, o pontífice disse que "o cristianismo, não só o catolicismo, não é uma coleção de proibições, mas uma opção positiva. É muito importante se atentar a isso pois essa consciência quase desapareceu".

"Francisco está sendo mais protagonista nesse ponto de vista, essa tem sido sua linha principal", explica o padre. Além de elogiar essa abordagem, Lima concorda com a atitude de solidariedade do papa, de dar atenção aos pobres e aos que sofrem, ao invés de ficar "entrincheirado em estruturas caducas que não geram acolhimento."

Essas "estruturas caducas" podem ser testemunhadas nas ocasiões em que padres recusam os pedidos de mães solteiras que querem batizar seus filhos --exemplo usado pelo próprio papa.

"Outro exemplo seriam os pastores que se contentam com os fiéis que têm ao invés de atrair mais pessoas", acrescenta Lima. "Ou dos que concentram o poder na figura do padre e do bispo, ao invés de promover o protagonismo dos fiéis", diz, citando os clérigos que não promovem conselhos paroquiais.

MULHERES PARAGUAIAS

Outro ponto que Lima elogia na última fala de Francisco foi o enaltecimento das mulheres paraguaias --"as mais gloriosas da América Latina", de acordo com o pontífice. O papa explicou que, depois da Guerra do Paraguai (1864-1870), sobraram oito mulheres para cada homem.

Ele disse então que essas mulheres "fizeram a difícil escolha de ter filhos para salvar a pátria, a cultura, a fé e a língua", subentendendo que a estrutura familiar das paraguaias não contava com a figura do pai dentro de casa.

"Quando o papa disse que essas mulheres salvaram a pátria, a cultura, a fé e a língua, ele deixou encarar a família tradicional como absoluta", explica Lima.

"É muito ousado defender a produção independente em nível nacional". Isso, de acordo com o padre, mostra que Francisco é capaz de fazer a distinção entre os princípios morais e as circunstâncias concretas. "É muito inovador."

Editoria de Arte/Folhapress

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