Folha de S. Paulo


Distância da igreja explica perda de fiéis, diz papa na TV

O papa Francisco defendeu uma igreja mais próxima como melhor remédio contra a perda de fiéis no Brasil, sobretudo diante do avanço das denominações evangélicas.

Em entrevista transmitida neste domingo (28) pelo "Fantástico" (Globo) e realizada três dias antes, no Rio, o pontífice afirmou que a Igreja Católica precisa ser como uma mãe que "dá carinho, beija, toca, ama".

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Segundo Francisco, quando a igreja, "ocupada com mil coisas [...], só se comunica com documentos", age "como uma mãe que se comunica com o filho por carta".

"Nem você nem eu conhecemos nenhuma mãe por correspondência."

O papa estava sendo questionado especificamente sobre a perda de fiéis para as igrejas evangélicas. Ele reforçou, contudo, não conhecer "a vida no Brasil para dar respostas" e que "não saberia explicar esse fenômeno".

Preferiu usar um exemplo da terra natal e contou a história de uma fiel argentina que, numa região "há 20 anos sem sacerdote", começou a "ter raiva" da Igreja Católica e a frequentar cultos evangélicos.

Francisco disse que a mesma mulher, ainda assim, escondia uma imagem da Virgem Maria no armário, longe dos olhos do pastor.

BRASIL VS. ARGENTINA

O papa --o primeiro da ordem jesuíta-- foi indagado sobre o comportamento franciscano que prega a simplicidade, os escândalos na Cúria Romana, as manifestações que tomaram as ruas brasileiras e até a rivalidade entre o país que visitava e sua Argentina.

Sobre a rixa, disse acreditar que ela "está totalmente superada". Assim deu o assunto por encerrado: "Negociamos bem: o papa é argentino, e Deus é brasileiro".

Francisco voltou a pregar contra o luxo ao afirmar que "nosso povo exige pobreza de nossos sacerdotes".

Na toada da simplicidade, falou sobre a opção de ficar na residência de Santa Maria, no Vaticano, em vez do apartamento papal.

Estar junto dos outros membros do clero, segundo ele, é um antídoto contra a solidão. "Fiquei em Santa Maria por razões psiquiátricas", brincou, dizendo que a escolha significaria economia, pelo dinheiro que não gastaria com psiquiatras.

'CARRO MODESTO'

Explicou que o "carro modesto" escolhido para se locomover no Brasil é muito parecido com o que usa em Roma. "O povo sente em seu coração [...] quando estamos apegados ao dinheiro."

Sobre o esquema de locomoção durante a Jornada Mundial da Juventude, ele agradeceu pela segurança no Brasil. Disse que, antes de viajar, conferiu o papamóvel, que era cercado de vidros --prontamente dispensados. "Você vai fazer uma visita dentro de uma caixa de vidro?"

"Ou tudo ou nada. Ou a gente faz a viagem como deve ser feito, com comunicação humana, ou não faz."

ESCÂNDALOS

Questionado sobre escândalos que envolvem membros da Cúria Romana, como supostos esquemas de lavagem de dinheiro, ele disse que há "muitas coisas" para se resolver em Roma.

Mas afirmou que "há muitos santos" na Cúria, e que "isso não aparece".

"Faz mais barulho uma árvore que cai do que um bosque que cresce."

"Agora mesmo", continuou o pontífice, "temos um escândalo de transferência de US$ 10 ou 20 milhões de monsenhor. Belo favor faz esse senhor à Igreja, não é?".

Segundo o papa, "é preciso reconhecer que ele agiu mal, e a Igreja tem que dar a ele a punição que merece".

MANIFESTAÇÕES

O papa disse desconhecer o motivo que levou milhões às ruas do Brasil, em junho e julho --e que "faria mal se desse opinião sem conhecer".

Cravou, contudo, que "um jovem que não protesta não me agrada".

"O jovem tem ilusão da utopia, [...] e a utopia é respirar e olhar adiante", afirmou. Pediu cuidado apenas para que os jovens "não sejam manipulados".

Ele voltou a atacar a "feroz idolatria do dinheiro" e a política economicista "sem qualquer controle ético", como fez diversas vezes em discursos anteriores.

O pontífice disse que nenhuma religião pode "dormir tranquila quando existe uma única criança que morra de fome, sem educação, um jovem ou idosos sem atendimento médico".

O papa "abriu mão do descanso após o almoço" para conceder a entrevista à Globo, segundo a emissora, numa sala na residência da Arquidiocese do Rio, no Sumaré.

Francisco ganhou uma camisa do Flamengo do padre Alexandre, escolhido por ele como secretário particular na visita ao país.


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