Folha de S. Paulo


Análise: Discurso antes do ângelus mostra papa perto de religiosidade popular

Três coisas chamam a atenção no sucinto discurso pronunciado pelo papa nesta sexta antes do ângelus, a tradicional oração católica em louvor à Virgem Maria e ao momento da concepção de Jesus. Primeiro, a proximidade que Francisco tem da religiosidade popular; depois, a recorrência do tema da importância dos idosos para a sociedade; e, finalmente, o uso do documento preparado pelos bispos latino-americanos na conferência de Aparecida, em 2007, como uma espécie de "Constituição" de seu pontificado.

O ângelus é a oração que começa com os versos "O Anjo do Senhor anunciou a Maria/E ela concebeu do Espírito Santo" (daí o nome, tirado da primeira palavra da oração em latim, que é "angelus" ou anjo). Coincidência ou não, alguns dos mais antigos registros de seu uso vêm de comunidades franciscanas na Itália medieval, há mais de 700 anos.

Veja o especial O papa no Brasil
Vai participar da Jornada? Envie foto ou vídeo
Centenas de pessoas acompanham a saudação no Palácio São Joaquim
Eduardo Paes pede desculpas aos moradores de Copacabana por multidão
Leia a íntegra a do discurso do papa Francisco antes do ângelus
Prefeitura do Rio anuncia novo trajeto para peregrinação com apenas 9,5 km

Francisco chama a atenção para o emprego do ângelus para marcar as atividades do cotidiano, em especial entre o povo simples: a hora de acordar, a refeição do meio-dia e o fim da tarde.

Em poucos versos, entremeados por ave-marias, a oração reúne as informações essenciais sobre Nossa Senhora presentes na Bíblia e que, com o desenvolvimento teológico da Igreja Católica ao longo dos séculos, deram forma ao culto à Virgem: o anjo Gabriel que anuncia a concepção miraculosa de Jesus; Maria dizendo que é "a escrava do Senhor" e pedindo "Faça-se em mim segundo a tua palavra" (frases tiradas do Evangelho de Lucas, o mais "mariano" da Bíblia); e o célebre trecho "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós", do Evangelho de João, o que mais deixa clara a ideia de que Jesus, além de Messias, é o próprio Deus encarnado.

Até aí, nenhuma surpresa num papa conhecido por sua devoção por Nossa Senhora e pelas referências bíblicas. Um pouco mais curioso é o fato de que ele aproveita para falar dos avós maternos de Jesus, São Joaquim e Sant'Ana, cuja festa é celebrada nesta sexta.

O casal de santos é extremamente popular, em especial entre os devotos mais idosos. Só que, curiosamente, a tradição de seu culto na Igreja Católica é "extrabíblica" - eles não aparecem nos Evangelhos.

A história deles é relatada em textos apócrifos (aqueles não incluídos na Bíblia "oficial"), como o Protoevangelho de Tiago. É desses textos que vem a ideia de que Maria teria sido concebida sem pecado original, a chamada Imaculada Conceição, que se tornou dogma do catolicismo, proclamado pelo papa Pio 9º no século 19. A crença, no entanto, já era extremamente difundida entre os fiéis, tendo grande papel na devoção popular.

O tema dos avós de Jesus naturalmente conduziu o papa a falar do papel de todos os avós na sociedade, problemática que ele já tinha abordado durante seu voo rumo ao Brasil, criticando a cultura descartável que vê os idosos como entraves.

A mensagem simples de valorizar a sabedoria dos avós e os valores que eles transmitem para os jovens, usando São Joaquim, Sant'Ana e Maria como modelos, poderia sair da boca de qualquer pároco, mas ganha peso na boca do sucessor dos papas (João Paulo 2º e Bento 16) que fizeram da eutanásia um dos grandes sinais do mal no mundo moderno. Como em vários outros discursos, Francisco em nenhum momento usa a palavra (assim como até agora quase não usou a palavra "aborto") -seu estilo é apontar o lado positivo do que defende, em vez de condenar abertamente o que há de negativo.

Finalmente, a referência à importância social dos idosos foi feita dentro da moldura do chamado Documento de Aparecida, preparado pelos bispos congregados pela Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano) no santuário brasileiro durante a visita de Bento 16 ao país. Francisco, então cardeal Jorge Mario Bergoglio, foi um dos coordenadores do documento, tendo-o usado recorrentemente como uma espécie de baliza de seus pronunciamentos no Brasil.

Não é à toa: o documento contém muito do que o papa tem enfatizado desde que subiu ao trono de Pedro, da ênfase em uma Igreja que precisa "sair às ruas" e ajudar os marginalizados ao destaque dado à religiosidade popular.


Endereço da página:

Links no texto: