Folha de S. Paulo


Creio que agora sabemos que Bergoglio é o papa Francisco, diz Frei Betto

O discurso do papa Francisco na favela de Manguinhos, no Rio, na última quinta-feira (25) foi bem recebido por religiosos de diferentes correntes da Igreja Católica como o pronunciamento mais contundente de sua viagem ao Brasil.

Na fala, o papa pediu que os jovens não desanimem diante de notícias de corrupção, e disse que não poderá existir "pacificação" sem inclusão social, numa referência às UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) instaladas pelo governo do Rio de Janeiro em favelas controladas pelo tráfico de drogas.

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Para o dominicano Frei Betto, o discurso refletiu posicionamentos que o pontífice já defendia quando arcebispo de Buenos Aires. "Creio que agora sabemos que o [Jorge Mario] Bergoglio está no papa Francisco", disse o frade e escritor.

Ele afirmou que o pronunciamento mais contundente do líder da igreja até então foi sua homilia na missa que celebrou em Lampedusa, na Itália, no início do mês, em homenagem aos imigrantes tunisianos mortos em naufrágios ao tentar chegar à Europa em embarcações precárias. Na ocasião, Francisco atacou a "globalização da indiferença" que impede que a sociedade se sinta responsável por tragédias como essa.

"Aqui no Brasil vinha sendo tudo protocolar, meio morno. E de repente ele mostrou a que veio: quer uma igreja comprometida com os direitos humanos, os pobres e foi muito explícito nisso hoje", disse Frei Betto, sobre o discurso de Manguinhos.

Além da crítica à UPP, Frei Betto destacou a forma como o papa se referiu ao combate à miséria no país. "Quando ele fala na distribuição de renda que o Brasil promoveu nesses últimos anos, fala 'a sociedade', e não 'o governo'", afirmou.

Zanone Fraissat-6.jul.13/Folhapress
Dominicano Frei Betto
Dominicano Frei Betto

Francisco disse querer "encorajar os esforços que a sociedade brasileira tem feito para integrar todas as partes do seu corpo, incluindo as mais sofridas e necessitadas, através do combate à fome e à miséria".

Militante da Teologia da Libertação, ex-coordenador de mobilização social do programa Fome Zero e ex-assessor especial da Presidência no primeiro mandato de Lula, Frei Betto alfinetou o PT e disse que o papa reconheceu "o protagonismo da sociedade". "Esse governo é resultado dos movimentos sociais, e só agora se deu conta [disso], com as manifestações de rua. Agora o governo está desesperado para tentar superar o divórcio", concluiu.

Ele disse ainda que o papa "colocou o dedo na ferida" ao atacar a corrupção.

Esse trecho também chamou a atenção do bispo dom Fernando Figueiredo, da Diocese de Santo Amaro, em São Paulo. "Ele quase que convoca a juventude. Isso é novo, isso é novo", disse o religioso, superior do padre Marcelo Rossi, expoente do movimento carismático da igreja.

"Acho que aí há algo que realmente nos toca: não desanimem, diz ele, não percam a confiança, não se acostumem com o mal. Estejamos sempre lutando contra a corrupção, fazendo algo para que ela jamais se instale na nossa sociedade", completou.

O bispo disse que, embora fiel a um "caminho seguro" presente na doutrina social da igreja, o papa se diferencia por apresentar um discurso pastoral e "não intelectualizado", que "fala ao coração de todos".

Ele afirmou que o pronunciamento do papa seria bem recebido "sobretudo, de modo particular" pelos adeptos da Teologia da Libertação, corrente bastante difundida no Brasil na ditadura militar e que defende um catolicismo próximo aos pobres e alinhado a movimentos sociais de esquerda. Ressaltou, no entanto, que o pontífice "está falando a todos, sem excluir esse ou aquele".

Para Frei Betto, há convergência entre a "opção pelos pobres" pregada por Francisco e as ideias da Teologia da Libertação. Integrantes da ala progressista da igreja apostam que o novo papa promoverá uma recuperação das ideias dessa teologia, combatida pelos antecessores João Paulo 2º e Bento 16. O frade, no entanto, não vê a postura do papa como um sinal de ruptura em relação aos antecessores e minimiza essa discussão.

"Na verdade, nunca houve condenação da Teologia da Libertação. O que houve foi censuras, reticências, advertências, e o papa não vai entrar nessa. Vai respeitar. Até porque, diga-se de passagem, a Teologia da Libertação nunca rompeu com a igreja. A gente nunca foi dissidente, herege", afirmou.


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