Folha de S. Paulo


Menos de 50% dos moradores do Estado do Rio se declaram católicos

Se a intenção do papa Francisco é seguir o exemplo bíblico de "buscar a ovelha desgarrada", visitar o Rio de Janeiro é a escolha certa a fazer, porque poucos Estados brasileiros têm tantas pessoas sem religião e tão poucos católicos.

Hoje, menos de 50% dos fluminenses se declaram membros da Igreja Católica, enquanto mais de 15% afirmam não ter religião (mais ou menos o dobro da média nacional, nesse caso), segundo dados da FGV de 2011. Na região metropolitana do Rio, esses números são ainda mais extremos. As médias brasileiras são de 62% e 7%, respectivamente.

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Curiosamente, índices comparáveis só aparecem em Estados de fronteira agrícola e ocupação recente, como Rondônia e Acre, o que sugere que a intensidade dos fluxos migratórios pode estar por trás do declínio católico no Rio de Janeiro.

A hipótese é levantada num estudo que será publicado em breve pela socióloga da religião Silvia Fernandes, professora da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e pesquisadora da Universidade da Flórida.

Fernandes assinala que, nas últimas décadas, tanto o Rio quanto São Paulo tiveram a maior queda relativa no número de católicos (São Paulo, na verdade, lidera essa queda em termos relativos, ainda que o percentual de sua população que é católica continue mais elevado).

Editoria de Arte/Folhapress

Os dois Estados são os que tiveram mais circulação migratória no Sudeste --Minas, que "exporta" migrantes para outras regiões do país, mas recebe pouca gente, ainda tem 70% de católicos.

Movimentos populacionais, muitas vezes levando à fixação dos migrantes em periferias, costumam ter um efeito desagregador, levando os recém-chegados a mudarem parte de sua identidade social, o que inclui a religião. "Mas é preciso ressaltar que não sabemos a religião original dos migrantes", diz Fernandes.

PLURALISMO

Para ela, há outros fatores importantes em jogo. "Os sem religião, são, paradoxalmente, fruto do pluralismo religioso, porque há maior liberdade de escolha também quando o assunto é religião.

Eles representam a crise das instituições, quase como os manifestantes atuais no Brasil, mas representam ainda a possibilidade de ser um religioso autônomo", diz ela. "Muitos afirmam ter crenças e religiosidade, mas não ter religião."

Ela aponta também que, com a alta porcentagem de pessoas sem religião na periferia carioca, cai por terra a associação imediata entre pobreza e opção pelas igrejas evangélicas. "Se os sem religião, sobretudo os jovens, estão nos ambientes mais pobres, também a oferta pentecostal não os atrai."

Rodrigo Coppe Caldeira, professor do mestrado em ciências da religião da PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), também aponta um pluralismo religioso mais aberto como uma das possíveis chaves para entender a situação.

"Antes, ser brasileiro era ser católico. Mas o católico brasileiro sempre foi um católico de muitas pertenças, ia à igreja aos domingos mas frequentava uma mesa-branca ou um terreiro também. Só que era preciso se dizer católico para ser aceito socialmente. As mudanças sociais e de comportamento fazem com que isso não seja mais necessário."

Fernandes aponta ainda que a estratégia católica de abrir mais espaço para a Renovação Carismática como forma de retomar fiéis pode ser uma faca de dois gumes. A liturgia e as crenças dos carismáticos (envolvendo curas e os dons do Espírito Santo, por exemplo), relativamente próximas dos evangélicos pentecostais, fazem com que o fiel dessa corrente católica circule com mais facilidade por meios evangélicos e corra, às vezes, mais risco de abandonar a Igreja, diz ela.


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