Folha de S. Paulo


Análise: "Voos da alegria'' são marcas do patrimonialismo

O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), reeditou, ao requisitar avião da FAB para levar parentes e amigos de Natal ao Rio de Janeiro, para assistir à final da Copa das Confederações, uma velha e resiliente marca da política brasileira: o patrimonialismo.

As redes sociais facilitam tornar público o que, tradicionalmente, foi um costume dos políticos que raramente vinha à tona. Graças à euforia dos parentes de Alves com a seleção, alegremente compartilhada em fotos sorridentes no Instagram, o repórter Leandro Colon puxou o fio da meada que liga o "voo da alegria'' potiguar a outros famosos casos de confusão entre público e privado.

Presidente da Câmara decide pagar por carona de parentes em avião da FAB
Marcelo Soares: Só a transparência disciplina

No governo Fernando Henrique Cardoso, a farra com jatos da FAB foi um dos principais escândalos. Pelo menos seis ministros, um procurador-geral da República e um deputado usaram aeronaves da Força Aérea Brasileira para ir com as famílias, de férias, para o paradisíaco arquipélago de Fernando de Noronha.

A "farra dos jatinhos'', como ficou conhecido o episódio, gerou processos, e os políticos foram condenados a ressarcir os gastos.

Antes ainda, o deputado Paes de Andrade, que presidia a Câmara em 1989, convidou parentes, aliados e amigos para voar no Boeing presidencial de Brasília até sua cidade-natal, Mombaça (CE), em sua breve interinidade no lugar de José Sarney na Presidência da República.

Mais recentemente, o governador do Ceará, Cid Gomes, usou dinheiro público para alugar um jatinho que transportou a mulher, a sogra, assessores e amigos a Paris, durante o Carnaval.

Nem só nos ares se manifesta a confusão entre patrimônio público e mordomias privadas. Em janeiro de 2005, antes, portanto, da crise do mensalão, os repórteres Julia Duailibi e Eduardo Scolese revelaram, na Folha, que amigos de um dos filhos do ex-presidente Lula tinham criado fotoblogs e divulgado no Orkut fotos de suas férias em julho do ano anterior no Palácio da Alvorada, com direito a carona no avião presidencial, passeios de lancha no lago Paranoá e saltos na piscina do palácio de cima de uma cascata projetada por Oscar Niemeyer.

No mesmo palácio, em 2004, a ex-primeira-dama Marisa Letícia plantou no jardim presenteado na época da construção de Brasília pelo imperador japonês Hiroito uma estrela de 4 metros de diâmetro com flores vermelhas, replicando o símbolo do PT, partido do ex-presidente Lula.

O mesmo Henrique Alves viveu recentemente um constrangimento graças à superexposição nas redes sociais: foi clicado em poses com a mulher e outros deputados em frente ao Kremlin, em Moscou, no mesmo dia em que as cúpulas do Congresso eram escaladas por manifestantes.

A viagem era oficial e foge dos exemplos anteriores, mas, assim como no voo da seleção, mostra certo descolamento do presidente da Câmara em relação às manifestações que tomaram o país no último mês.


Endereço da página:

Links no texto: