Folha de S. Paulo


Para Stedile, do MST, protestos no país podem voltar "mais radicais"

O economista João Pedro Stedile, 59, líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), afirma que é preciso aproveitar a onda de protestos para criar novos mecanismos de participação popular nos destinos do país.

Caso contrário, diz, "as mobilizações voltarão com mais força e mais radicais".

Segundo ele, a rejeição dos jovens manifestantes aos partidos é normal. "Qualquer pessoa que assiste todos os dias a forma como agem os partidos fica indignada."

A seguir, trechos da entrevista, feita por e-mail, a pedido do líder dos sem-terra.

Folha - Que balanço o sr. faz das manifestações?
João Pedro Stedile - Foram muito positivas, porque trouxeram a juventude de volta às ruas. Estão oxigenando a política, inclusive, nos salões palacianos e no Congresso. No início, foram motivadas pela indignação de uma parcela da juventude e pela esperteza do Movimento Passe Livre, que se aproveitou desse sentimento para mobilizar. Teve a contribuição da visão medíocre do governo Alckmin, que, acostumado a baixar o pau na população, como fez em outros despejos, conseguiu jogar gasolina nos protestos.

Elas são um divisor de águas? O que muda a partir de agora?
Desde as "Diretas-Já", não tínhamos mobilizações tão expressivas e em todo país. Por isso, elas são de fato uma retomada das ruas como espaço de fazer política. No entanto, o que vai acontecer daqui para diante ainda está em disputa. A direita quer apenas pautar temas atrasados ou de pouca relevância, para que não tenha mudança nenhuma e para apenas desgastar o governo Dilma e colher os frutos na eleição de 2014. De parte da classe trabalhadora, há necessidade dela também vir para a rua e colocar em pauta as reformas econômicas e políticas, que os governos Lula e Dilma não tiveram capacidade de fazer pelas alianças partidárias esdrúxulas dentro de um sistema político que precisa de uma profunda reforma.

Quais atores ganham e quais perdem com esses protestos?
Quem perdeu foram aqueles que fazem política tradicional, conservadora, reacionária, de tudo ser no toma lá, dá cá. A Rede Globo, que se achava toda poderosa, perdeu, porque a única palavra de ordem que unificou a juventude em todo país foi "fora, Rede Globo", uma vez que a juventude tem se informado pela internet e pelas redes sociais, não dando bola para televisão. Quem ganhou foi a juventude e o povo brasileiro. Tomara que o governo Dilma acorde e se sintonize cada vez mais com os interesses da população.

Como interpreta os protestos que terminaram em violência?
Ninguém de sã consciência vai para uma passeata para ter violência. Esses episódios sempre ocorrem com a conjugação de vários fatores. Primeiro, o despreparo da Polícia Militar, que sempre trata o povo como inimigo, apesar de cada um dos soldados ser gente do povo. Onde houve diálogo da PM com os manifestantes não houve violência. Segundo, houve grupos fascistas, em especial em São Paulo e no Rio, que planejaram e foram para as passeatas para gerar caos e pânico.

O sr. acredita que, em meio ao quebra-quebra, exista o ingrediente da revolta da população mais excluída, e não ações de vândalos simplesmente?
Não acredito que a população indignada use a violência. O povão gosta de xingar, dizer nome feio, mas é contra o uso de violência, de quebra-quebra e saques. Nessas situações, o povo respeita o patrimônio público.

Como o sr. avalia essa rejeição aos partidos em meio aos protestos? É uma rejeição "a" partidos ou especificamente a "esses" atuais partidos?
Essa juventude nasceu durante a implementação do neoliberalismo, na década de 90, e rejeita a forma de fazer política a partir desse período. Ela não é apolítica nem contra a organização partidária. Mas qualquer pessoa que assiste todos os dias a forma como agem os partidos fica indignada com a submissão às grandes empresas, as trocas de votos por emendas, as disputas por cargos, as disputas internas nos partidos. Precisamos urgentemente mudar a forma de fazer política no Brasil e enterrar essas práticas. Por isso, a reforma política é fundamental. É fundamental, em meio a essas mobilizações, criar novos mecanismos de participação popular nos destinos do país. Se não houver mudanças nesse sentido, tenho certeza que as mobilizações voltarão com mais força e mais radicais.

Movimentos sociais, indígenas e sindicatos têm reclamado da falta de diálogo com o governo Dilma. O governo tem falhado? Por quê?
O governo Dilma é um governo de composição de classes. Infelizmente, no último período, o governo tem priorizado apenas os interesses da burguesia e relativizado os interesses da classe trabalhadora. Basta ver a pauta que o governo prioriza. De um lado, propõe leilões de petróleo, liberação de outorgas de mineração para o grande capital, terceirização dos direitos trabalhistas, dinheiro do BNDES para grandes empresas. Para a classe trabalhadora: pão e água. A reforma agrária está paralisada, a legalização das áreas indígenas e quilombolas está paralisada e, em alguns casos, essas disputas são tratadas com repressão, como a Policia Federal fez em Mato Grosso do Sul. É claro que, uma hora dessas, essa contradição de classes estoura no governo ou nas ruas.

Esse diálogo piorou em relação ao governo Lula?
Não é uma questão de diálogo. Diálogo você pode ter o tempo inteiro. O problema é a disputa de interesses de classe e força de cada classe para pressionar o governo. Até agora, os empresários tinham mais força no governo. Agora, espero que a voz das ruas represente uma força popular que faça o governo implementar políticas a favor da classe trabalhadora.

O MST defende o "volta Lula"?
O governos são apenas espelho da correlação de forças na sociedade. Nós defendemos um projeto popular para o país. O que o Brasil precisa é debater na sociedade um projeto que represente a soberania nacional e popular para resolver os problemas do povo. Não podemos mais aceitar um país rico, que é a sétima economia do mundo, com tanta desigualdade social. Com salários tão baixos, sem democratizar a terra e os meios de comunicação. O povo vive em moradias com condições ruins, gasta 40% da renda com aluguel, não têm transporte público de qualidade, não tem atendimento de saúde, padece nas filas do SUS e os filhos não aprendem nas escolas públicas. Enquanto isso, o capital estrangeiro vem aqui explorar o nosso petróleo, nossos minérios, nosso etanol e nossa agricultura, aliados com uma burguesia brasileira submissa, que nunca pensou o Brasil como nação.

As cidades estão fervendo e o campo parece adormecido, com exceção dos indígenas. Quais as razões para isso?
Nas grandes cidades, há uma crise urbana instalada pela especulação imobiliária que elevou em 150% os preços dos imóveis e terrenos nos últimos três anos. Não há transporte público de qualidade e falta atendimento de saúde e educação. Há uma grande aglomeração de pessoas nesse inferno do cotidiano, então a juventude resolveu enfrentar e dar um tapa no diabo. Mas a classe trabalhadora ainda não se mexeu. Já no campo, estamos ainda sofrendo o refluxo do movimento de massas, que vem desde 2005, pela hegemonia do capital, que tomou conta da agricultura e impôs o modelo do agronegócio. Mas suas contradições e consequências começam a aparecer. Ou seja, a concentração da propriedade da terra, das usinas, da produção em apenas três produtos (soja, cana e gado) começa a aparecer. Logo outros setores da população do campo começarão a se mexer.

Como economista, como vê as recentes ações do governo diante de inflação pressionada e PIB estagnado?
O que está acontecendo é resultado de uma economia cada vez mais dependente do capital internacional. O Brasil está cada vez mais refém das politicas dos governos centrais e da ação do capital internacional sobre a economia. Por outro lado, o governo federal com sua composição de classes não tem forças e unidade suficiente para implementar políticas econômicas nacionalistas, que protejam nosso trabalho e nossa riqueza, porque também não tem um projeto claro de país.


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