Folha de S. Paulo


Análise: Congresso precisa delimitar o que é a tal reforma política

Uma reforma política ousada mexeria no sistema de votação para deputado e vereador, as eleições proporcionais.

Os problemas nessa área são bem conhecidos. Pegue o exemplo de 2010 em São Paulo. Cada eleitor foi chamado a escolher 1 entre 1.035 candidatos a deputado federal.

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Com um leque desse, apelos do tipo "vote consciente" soam até como cinismo. Que critério alguém pode usar para fazer a comparação consciente entre 1.035 nomes?

Para os candidatos, a situação é igualmente estranha. Que tipo de campanha alguém deve fazer quando concorre contra 1.034 rivais num universo de 645 municípios?

Os resultados também são conhecidos. Por parte de quem vota, dificuldade crescente para distinguir bons e maus políticos. Por parte de quem busca votos, campanhas cada vez mais caras e dependentes de doações (favores?) de empresas privadas.

Em 2002, em valores corrigidos, candidatos e partidos captaram R$ 1,5 bilhão de empresas dispostas a "financiar a democracia". Em 2010, foram R$ 4,7 bilhões. Os políticos conhecem bem esses dados. Dos 70 deputados paulistas, 42 precisaram de mais de R$ 1 milhão para chegar lá.

É por isso que, mesmo entre os eleitos, é difícil achar algum que não concorde com a necessidade de reforma. O problema é que é igualmente difícil achar dois que concordem com o mesmo pacote de alterações. Eis aí a maior complexidade da proposta do plebiscito: o que perguntar?

Só para o sistema eleitoral de deputados, há pelo menos cinco modelos discutidos há anos, além do atual, o proporcional em lista aberta. Repare nos nomes: voto em lista fechada, voto em lista flexível, distrital, distrital misto e distritão. Uma entidade de combate à corrupção acabou de lançar o sexto, o voto para deputado em dois turnos.

Dá para oferecer um questionário desse em plebiscito?

Mas isso seria só um aspecto da reforma. Há ainda financiamento de campanha (público? privado? misto?), fim de coligação em eleição proporcional, fidelidade partidária, unificação das datas de eleições, extinção de suplente de senador e, a novidade, candidatura avulsa, sem partido.

Se quiser mesmo fazer uma reforma com participação popular, o primeiro desafio do Congresso será definir o que é, afinal, a tal reforma política. Sem isso, fica difícil crer na viabilidade do plebiscito.


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