Folha de S. Paulo


Análise: Polêmica, proposta de plebiscito causa terremoto político

O mundo político ainda absorve o impacto da jogada do governo Dilma em tirar da manga a carta de um plebiscito para forçar uma reforma política por meio de constituinte exclusiva. A proposta em si, inconstitucional para muitos especialistas e para boa parte do Supremo, pode até não vingar no final, mas seus efeitos já se delineiam.

Até pela fragilidade explícita no momento em que a "rua" se agita, há uma tentativa de reforma no "modus operandi" do governo. Depois do discurso generalista da sexta passada, a presidente apostou mais alto.

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Se há pouco tempo Dilma estava pressionada pelos aliados a fazer um governo mais aberto a palpites, com PMDB e também o PT reclamando por mais espaço no processo decisório, isso parece morto e enterrado.

A forma autocrática com que o pacote de "pactos" foi amarrada é sinal claro disso: nem o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP), segundo informou hoje o Painel da Folha, foi avisado da proposta da constituinte --logo ele, que já se manifestou expressamente contra a ideia em 2007.

Líderes aliados foram pegos de surpresa, e o comando do Congresso (Renan Calheiros e Henrique Eduardo Alves, ambos do PMDB) ontem ficou mudo.

Governadores e prefeitos sentaram à mesa e tiveram de ouvir um discurso pronto --unindo ideias práticas (desoneração para o diesel), enrolações ("grupos de trabalho"), propostas fantasiosas (R$ 50 bilhões para transporte?) e tergiversações (importação de médicos).

A opinião deles, e a lavagem de roupa suja, só foi exposta com as câmeras desligadas. Se todos os ressentimentos que esse tipo de comportamento tende a gerar vão florescer e conturbar de vez o cenário para o pleito de 2014, dificultando o projeto reeleitoral de Dilma, essa é uma questão em aberto.

Se a centralização dilmista foi maior, fica claro também que ela reativou o antigo "núcleo duro" do Planalto à sua maneira. Aloizio Mercadante pode ser ministro da Educação, mas ontem falou e agiu como primeiro-ministro --ou, para ficar na figura brasileira, um chefe forte da Casa Civil.

Sintomático foi ver Mercadante explicando detalhadamente os tais pactos de Dilma, com Gleisi Hoffmann servindo de coadjuvante. Por outro lado, é sabido que egos sem coleira não têm sobrevida longa no convívio com a presidente. Mais um ponto a ser analisado no futuro.

Na oposição, gritos contra o flerte bolivariano que a proposta de Dilma embute. Com efeito, Luiz Inácio Lula da Silva sempre elogiou o que considerava a pujança democrática da Venezuela devido ao número de "eleições" vencidas pelo já morto Hugo Chávez --boa parte delas eram justamente plebiscitos que usavam a "vontade do povo" como massa de manobra para legitimação do regime.

O problema para a oposição, e o Congresso em geral, é que a classe política é o principal alvo das recentes manifestações. Se há insatisfação com qualquer "governo", Dilma dividiu a conta com os parlamentares em sua resposta mais imediata.

Um passeio hoje cedo pelo microcosmo autofágico do Facebook dava sinais de que parecia estar colando a ideia de que Dilma "incluiu" o "povo" no processo decisório --independentemente do fato de que não é assim que as coisas funcionam. Mas ainda é muito cedo para ver se isso se replicará nas ruas. Os protestos marcados para amanhã ajudarão a medir essa temperatura.


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