Folha de S. Paulo


Familiares de vítimas da ditadura pedem audiência com Dilma

Familiares de vítimas da ditadura querem uma audiência com a presidente Dilma Rousseff para apresentar críticas aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e reivindicar uma reestruturação do grupo.

O pedido foi apresentado nesta segunda-feira (24) durante reunião da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que representam as vítimas da ditadura militar, com dois membros da Comissão da Verdade, em São Paulo.

No encontro, os familiares fizeram uma série de críticas ao colegiado, instalado em maio do ano passado para apurar violações de direitos humanos cometidas pelo Estado no período de 1946 a 1988, que inclui a ditadura militar (1964-1986).

Entre as reivindicações, estão mais transparência nos trabalhos com audiências públicas, mais diálogo com os familiares de vítimas da ditadura e uma reestruturação do colegiado, com a volta de Cláudio Fonteles ao grupo e o afastamento de José Paulo Cavalcanti, acusado pelos familiares de pouca participação.

Sergio Lima/Folhapress
Rosa Maria Cardoso, coordenadora da Comissão Nacional da Verdade
Rosa Maria Cardoso, coordenadora da Comissão Nacional da Verdade

Após divergências internas na comissão, Fonteles anunciou na semana passada sua renúncia do cargo de comissionado e afirmou que sua decisão é irreversível.

Outra reclamação dos familiares é o fato de terem sido procurados poucas vezes pela comissão. Eles afirmam que têm informações sobre vítimas da ditadura que poderiam ter contribuído com as investigações do colegiado, mas que não foram ouvidos. Desde o início dos trabalhos da Comissão da Verdade, este foi o segundo encontro entre os dois grupos.

Segundo os familiares, eles têm sido discriminados pela Comissão da Verdade. "São não só familiares, são as pessoas que apuraram até hoje esses crimes [da ditadura], que conhecem a estrutura da repressão e nem sequer foram ouvidos", disse Ivan Seixas, um dos integrantes do grupo.

Os familiares também criticaram o que chamaram de desrespeito entre os próprios membros da comissão, em referência à entrevista concedida por Maria Rita Kehl à Folha após a saída de Fonteles do grupo.

Na entrevista, Maria Rita insinua falta de discrição de Fonteles com relação às pesquisas da comissão ao afirmar que "as pessoas não têm tempo, e nem vontade, de a cada ovo sair cacarejando".

As reclamações dos familiares foram ouvidas pela coordenadora da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Maria Cardoso, e pelo ex-ministro José Carlos Dias, também comissionado, que foram a São Paulo para atender a pedido dos familiares. A reunião ocorreu a portas fechadas.

RECONHECIMENTO

Após o encontro, Dias afirmou que a Comissão da Verdade reconhece várias falhas e que buscará uma reaproximação com os familiares das vítimas.

"Nós assumimos humildemente várias falhas que eventualmente estamos cometendo e tratamos de realinhar o nosso trabalho para uma aproximação maior entre o grupo de familiares e o trabalho que a gente vem desenvolvendo", disse.

Não foi esclarecido, porém, em que termos ocorrerá o realinhamento dos trabalhos da comissão.

Rosa Cardoso afirmou que entregará o pedido de audiência dos familiares à presidente Dilma, mas não quis comentar com jornalistas sobre as críticas feitas à comissão.

Segundo participantes do encontro, os membros da Comissão da Verdade reconheceram as falhas. "Eles manifestaram que estão de acordo com a gente, que precisa fazer essa reestruturação, precisa mudar os rumos. Concordaram com a gente que as vítimas têm que ser ouvidas", disse Ivan Seixas.

"A Rosa Cardoso falou literalmente: 'Não pode continuar sendo neutra. A comissão é das vítimas, a comissão tem que ouvir as vítimas. Ela deixou isso muito claro agora na reunião", afirmou a ex-presa política Maria Amélia Teles.

Uma das críticas reconhecidas pelos comissionados, segundo José Carlos Dias, foi não ter ouvido mais vítimas do coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra antes do depoimento que ele prestou à comissão, em maio.

Na ocasião, apenas o vereador de São Paulo Gilberto Natalini (PV) falou sobre torturas que sofreu pelo militar. "Deveriam ter sido ouvidas mais vítimas", afirmou o ex-ministro.

Dias também afirmou que está cansado dos desgastes existentes na Comissão da Verdade, que atribuiu à diferença de temperamentos entre os membros do grupo, mas negou que pense em deixar o cargo.

"Quando eu imaginava que já fosse descansar, eu recebi essa nomeação para assumir a comissão. Não é para ter esse desgaste que nós estamos tendo, isso é muito desagradável. Nós temos que nos unir e caminhar para frente", afirmou.


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