Folha de S. Paulo


Decisão de Gilmar Mendes sobre novos partidos é casuística, diz professor de direito

O professor da FGV Direito-Rio Ivar Hartmann disse em entrevista à Folha na quinta-feira (13) que considera "casuística" a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes de suspender um projeto de lei que inibe a criação de partidos no país.

Mendes havia decidido sozinho, em caráter provisório, pela suspensão da matéria. Agora, em plenário, a maioria dos ministros do STF indicou que seria a favor de que o Senado possa analisar a proposta, que é patrocinada pelo Palácio do Planalto, PT e PMDB.

O professor falou sobre o limite dos poderes do Judiciário no Brasil e em outros países.

Contrariando a declaração de Mendes de que o governo apoia o projeto por casuísmo para diminuir o número de concorrentes na eleição presidencial de 2014, Hartmann defende que "não cabe ao Supremo dizer se é ou não casuística uma determinada votação".

Ele também afirmou que outra proposta que gera crise entre Judiciário e Legislativo --a que submete decisões do STF ao crivo do Congresso-- não representa risco ao equilíbrio entre Poderes porque em vários países do mundo quem dá a palavra final é o Parlamento.

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Folha - O Brasil está sozinho entre os países que permitem que o tribunal constitucional (que, aqui, é o STF) declare decisões do Poder Legislativo inconstitucionais?
Ivar Hartmann - Não, definitivamente.

Mas existem também países em que a palavra final é do Legislativo?
Sim. Existem países onde sequer existe um tribunal constitucional. E existem lugares com tribunais constitucionais que não podem dizer se uma determinada lei do Parlamento viola ou não a Constituição. Também existem locais em que a corte pode fazer isso, mas que possibilitam que o Congresso reverta a decisão.
Então, existe a forma do STF no Brasil, em que ele exerce um controle, e existe a fórmula de outros países, como o Canadá, onde quem tem a última palavra é o legislador.

Existe um consenso no mundo acadêmico sobre qual dos modelos é melhor?
Não existe um consenso. Não se pode afirmar de maneira categórica que, se a última palavra é de um ou de outro Poder, não há democracia ou estão em risco os direitos fundamentais. A melhor opção varia historicamente. O que pode ser compreendido como a melhor opção para o Brasil hoje não necessariamente será daqui a 50 anos --ou não necessariamente era nos cinco anos após a Constituição. Isso também varia de acordo com a cultura política do país, de acordo com o perfil da população --se ela é mais homogênea ou heterogênea--, ou se há algum problema de minorias envolvido.

O sr. considera o modelo em que o Judiciário dá a última palavra adequado para o Brasil?
Na minha opinião qualquer um dos dois poderia funcionar.

O sr. acha que a fórmula em que a palavra final é do Legislativo apresenta riscos?
Os dois modelos apresentam riscos. Por exemplo, se o Congresso tem a última palavra pode haver uma decisão despótica que represente um risco para uma minoria no sentido sociológico. Ou seja, um grupo que tenha acesso desfavorecido a algum tipo de bem na sociedade, sendo ou não minoria populacional --foi o caso, por exemplo, dos escravos.
Já o risco de a corte constitucional dar a última palavra é que nós tenhamos decisões centrais para uma democracia sendo tomadas por pessoas que não foram eleitas e que, muitas vezes, não podem ser removidas pelo povo.

Há um risco de o Congresso perder poder para o STF no Brasil?
Existe esse risco, sim. A votação desse processo no Supremo [sobre o projeto de lei que dificulta a criação de partidos] mostra o risco. Se prevalecer o entendimento do ministro Gilmar Mendes nós estaríamos trancando a discussão de uma proposta de lei. E isso é um óbvio enfraquecimento do Legislativo.

O equilíbrio entre o Legislativo e o Judiciário é adequado no Brasil?
É difícil determinar se o equilíbrio é adequado pois estamos num momento em que parece que isso está em aberto. Parece que o equilíbrio pode estar mudando, ou que já mudou.
Na minha opinião, no entanto, não seria bom para a democracia brasileira se a decisão do ministro Gilmar Mendes prevalecesse e se o Supremo pudesse proibir o Congresso de deliberar sobre determinado assunto.
De acordo com os antecedentes da corte, o STF só pode se intrometer na fase de discussão de um projeto se este desrespeitar uma das regras formais do rito previsto na Constituição. Caso contrário, uma proposta só pode ser considerada inconstitucional depois de entrar em vigor.

A maioria dos ministros sinalizou que não irá acompanhar a decisão do ministro Gilmar Mendes. O sr. pensa que o STF quer, com isso, evitar uma crise com o Congresso?
Isso pode ter sido um fator, mas acho que não foi determinante. Penso que, se a decisão fosse há cinco anos, ainda assim o Supremo decidiria como decidiu --mesmo não havendo o julgamento do mensalão e nem a proposta que altera os poderes do Supremo na Câmara.
Eu acredito que o determinante foi uma compreensão dos limites do Supremo.

O ministro Gilmar Mendes disse que o projeto sobre novos partidos é casuístico...
Casuística é a decisão de interferir da forma que a liminar [decisão provisória de Mendes] interferia. Não cabe ao Supremo dizer se é ou não casuística uma determinada votação caso ela cumpra as regras formais de tramitação impostas pela Constituição.
A discussão do papel do Congresso, do Supremo e também do Executivo precisa estar sempre aberta. Nenhuma proposta deve ser proibida de ser discutida de antemão.

O projeto que submete decisões do STF ao crivo do Congresso representa um risco ao equilíbrio entre Poderes?
Não. Isso acontece em outros países e não é nenhum absurdo. Não seria uma violação da separação dos Poderes e o Brasil não estaria isolado no mundo das democracias constitucionais.

Editoria de Arte/Folhapress

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