Folha de S. Paulo


Marcos Mendes: Controle criado a duras penas é flexibilizado

Em um país acostumado a ver naufragar reformas como a tributária, a política e a previdenciária, a renegociação das dívidas de Estados e municípios nos anos 90 foi uma reforma econômica de peso.

Esses governos tinham deficit excessivo e finanças descontroladas. Não se deve subestimar a dificuldade de quebrar a inércia de um modelo de fazer política baseado em expansão do gasto com financiamento inflacionário.

Liberação segue responsabilidade fiscal, diz governo
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O processo de renegociação foi um saneamento fiscal: a maioria dos bancos estaduais foi fechada ou vendida, a União assumiu a dívida dos Estados e a refinanciou em condições que, à época, eram vantajosas para os devedores.

Em troca, exigiu disciplina fiscal e, sobretudo, o pagamento em dia das prestações da dívida. Peça fundamental dessa nova legislação foi a delegação de poder ao corpo técnico da Secretaria do Tesouro para realizar análise detalhada da situação financeira de Estado ou município que pleiteasse autorização para contratar nova dívida.

Novas regras de controle aprovadas pelo Senado foram, também, a semente de onde brotou a Lei de Responsabilidade Fiscal, que impôs limites ao endividamento e às despesas com pessoal, além de aumentar a transparência.

Os governos equilibraram suas contas e possibilitaram a estabilização da inflação. Sem isso, o Plano Real provavelmente teria naufragado.

Porém, mecanismos de controle que a duras penas foram construídos no passado têm sido flexibilizados. A título de estimular o aumento dos investimentos públicos, Estados cujas contas não são consideradas sólidas pelo Tesouro Nacional têm sido autorizados a tomar crédito.

A mensagem contida nesse tipo de autorização é clara: mesmo que haja uma grande dívida, não faz sentido economizar e racionalizar para fazer o pagamento. Basta tomar dívida nova. Há o risco de se voltar ao modelo em que governador bom é o que espeta mais contas na União.

O lado positivo da flexibilização é que talvez ajude na necessária alta do investimento em infraestrutura. Afinal, a União enfrenta dificuldades para ampliar seus investimentos, que têm ficado na faixa de 1% do PIB. Os Estados investem cerca de 0,6% do PIB.

Um aumento e a possível integração entre investimentos federais e subnacionais poderiam acelerar a recuperação da infraestrutura. Mas o risco de desmonte do controle fiscal parece excessivo.

Marcos Mendes é doutor em economia, consultor legislativo do Senado e editor do site www.brasil-economia-governo.org.br


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