Folha de S. Paulo


Gregory Michener: Cumprimento da lei exige ação coordenada dos órgãos públicos

Da perspectiva de um estrangeiro, a delegação de poderes no Brasil é um pesadelo --mais de duas dúzias de partidos, uma política de coalizões que obriga os líderes a entregarem cargos ministeriais a aliados inconfiáveis, e um país de dimensões continentais que está subdividido em quase 5.600 municípios (e o número é cada vez maior).

A eficácia da governança e da delegação de poderes exige monitoramento, e a Lei da Transparência é talvez o mais poderoso mecanismo para esse fim, juntamente com a Lei de Acesso à Informação Pública. Está claro que as autoridades estão subjugadas pelas obrigações de fiscalização que criaram para si mesmas. É bonito falar em "transparência", mas o sucesso de sua implementação constitui um verdadeiro teste para a eficiência governamental.

Norma sobre transparência empaca em cidades pequenas

As políticas de transparência forçam a administração a se profissionalizar: municípios que guardam mal as suas informações --ou que simplesmente não as guardam-- são repentinamente obrigados a se profissionalizar.

Essa profissionalização exige capacidade burocrática, recursos e liderança eficaz, coisas das quais muitos municípios carecem. E o cumprimento das regras depende da pressão pública, a qual provém da fiscalização social.

Como em muitas partes do Brasil a independência da imprensa local --que alguns argumentariam ser uma precondição para uma política eficaz de transparência-- é questionável, não é surpreendente que essa pressão não venha resultando em um cumprimento mais robusto.

Ainda é cedo para apresentar um julgamento definitivo sobre o êxito ou o fracasso da lei. Mas os indícios deixam claras certas conclusões preliminares. A primeira é que, pelos padrões internacionais, os governos já tiveram tempo suficiente para cumprir as exigências dessa lei e, no entanto, as evidências indicam que a adesão generalizada à Lei da Transparência é pífia.

A segunda conclusão é que os órgãos fiscalizadores --como as Controladorias, Tribunais de Contas e o Ministério Público-- não têm sido capazes de fazer cumprir a lei.

Está amplamente claro, tanto pela Lei da Transparência quanto pela Lei de Acesso à Informação, que a "infraestrutura da transparência" no Brasil precisa de uma melhor organização e coordenação. Isso significa reunir as autoridades das Controladorias, dos Ministérios Públicos, dos Tribunais de Contas e de líderes locais sob uma "unidade de ação da transparência".

Em última análise, a transparência tem a ver com o monitoramento, e o monitoramento tem custos políticos. A questão é se o Brasil tem uma liderança local e uma sociedade civil suficientemente fortes para fazer com que esses avançados mecanismos democráticos funcionem.

GREGORY MICHENER é professor de administração pública da Ebape/FGV Rio

Tradução de RODRIGO LEITE


Endereço da página:

Links no texto: