Folha de S. Paulo


'Decisão política deve tomar quem tem voto', diz indicado ao STF

Um dia após ser indicado ao STF (Supremo Tribunal Federal) pela presidente Dilma Rousseff, o advogado Luís Roberto Barroso, 55, defendeu nesta sexta-feira a interferência do Judiciário em decisões do Legislativo apenas em caráter excepcional e afirmou que "decisão política deve tomar quem tem voto".

"Penso que deve ser a regra geral na democracia: decisão política tem que tomar quem tem voto e, portanto, o Judiciário deve ser deferente para com as escolhas feitas pelo legislador e para com as escolhas feitas pela administração. A menos que --e aí sim, se legitima a intervenção do Judiciário-- as escolhas violem frontalmente a Constituição, algum direito fundamental, as regras do jogo democrático. Aí sim, por exceção e não por regra, o Judiciário pode e deve intervir", afirmou durante palestra no 13º Congresso Brasileiro de Direito do Estado, em Salvador.

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Ela falou para uma plateia composta, em grande parte, por estudantes de direito, procuradores, advogados e juristas, na capital baiana, para onde embarcava ontem quando foi avisado da indicação ao STF.

A opinião do advogado já havia sido exposta em entrevista a um blog jurídico, divulgada em seu site pessoal. Na ocasião, afirmou não ver problemas em o STF assumir o papel do Legislativo ao entender que alguma regra constitucional foi desrespeitada. O embate entre Judiciário e Legislativo se acirrou recentemente com decisões conflitantes de lado a lado.

"Uma lei pode ser aprovada por 90% do Parlamento e ser inconstitucional. O papel de uma Corte Constitucional, muitas vezes, é um papel contramajoritário. É impedir que as maiorias oprimam as minorias. Se 90% do Parlamento aprovar uma lei que não admite mais a existência do partido comunista, ou do partido evangélico, esta lei é inconstitucional", afirmou na ocasião.

Leogump Carvalho/Folhapress
Luís Roberto Barroso durante palestra em congresso sobre direito em Salvador, Bahia
Luís Roberto Barroso durante palestra em congresso sobre direito em Salvador, Bahia

CONSTITUIÇÃO

Na palestra, o indicado para assumir o cargo de ministro do STF fez uma análise crítica dos 25 anos em que a Constituição está em vigor. Ele criticou, especificamente, o excesso de emendas à Constituição aprovadas pelo Congresso.

"A política ordinária no Brasil se faz, em alguma medida, por meio de emendas constitucionais, o que não é bom", afirmou Barroso, durante palestra no 13º Congresso Brasileiro de Direito do Estado.

Para ele, a Carta Magna promulgada em 1988 também peca pela "excessividade abrangente" de temas.

"Há uma grande quantidade de matérias que, na maioria dos países, são relegadas ao processo político ordinário. A Constituição brasileira só não traz a pessoa amada em três dias", disse, motivando risos da plateia.

"Isso fez com que a Constituição tivesse sofrido mais de 70 emendas, o que compromete, em alguma medida, a vocação de permanência do texto constitucional", avaliou. Barroso afirmou, contudo, que apesar das modificações, os temas mais importantes do documento permaneceram intocados ao longo do tempo.

Em especial, Barroso destacou a independência entre os Poderes, as garantias de liberdades individuais e os direitos civis. "A Constituição de 1988 fez uma travessia bem-sucedida de um Estado autoritário, por vezes violento, para um Estado Democrático de Direito. Só quem vive às sombras não reconhece essa luz."

Antes de se dirigir aos participantes do evento, realizado em um hotel da capital baiana, Barroso conversou rapidamente com a imprensa, mas se esquivou de temas polêmicos, como o julgamento do mensalão e os conflitos entre o STF e o Congresso. "No momento, estou com crise de opiniões", brincou.

Para justificar a cautela adotada publicamente após a presidente Dilma confirmá-lo na Corte, o jurista citou a necessidade de respeitar "os ritos democráticos" entre os Poderes. Como ainda não passou pela sabatina no Congresso, quando será oficialmente nomeado, Barroso optou pelo silêncio em relação às polêmicas no STF.

"A nomeação para ministro do Supremo envolve duas fases: a indicação pela presidente e a aprovação pelo Senado, de modo que, antes de o Senado se manifestar não acho apropriado dar declarações sobre o cargo", disse.

No entanto, longe do assédio dos jornalistas, o escolhido para ocupar a vaga deixada pela aposentadoria do ministro Carlos Ayres Britto, em novembro do ano passado, ficou à vontade para falar sobre direito constitucional, área jurídica na qual é apontado como um dos principais nomes do país.

Barroso ganhou notoriedade ao defender no STF ações que colocaram a Constituição à prova. Entre elas a legitimidade do aborto de fetos anencéfalos, a pesquisa com células-tronco de embriões e a extensão dos direitos civis das uniões estáveis para casais homoafetivos.


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