A Comissão Pastoral da Terra, braço agrário da Igreja Católica no Brasil, criticou a nova anulação pelo STF (Supremo Tribunal Federal) do julgamento do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, condenado por ordenar a morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, em 2005.
"O Supremo teve uma interpretação equivocada que só serve para reforçar o sentimento de impunidade que há com relação a crimes ocorridos no campo", afirmou o advogado da CPT, José Batista.
STF anula júri que condenou acusado de matar Dorothy Stang
A 2ª turma do STF decidiu, por 3 votos a 2, anular o julgamento na última terça-feira (14) ao entender que Bida não teve direito a ampla defesa.
Um novo julgamento, sem data prevista, será marcado pelo Tribunal de Justiça do Pará.
Tarso Sarraf/Folhapress |
O fazendeiro Bida, que continuará preso enquanto novo julgamento não for realizado; júri que o condenou foi anulado |
Pela decisão, Bida continuará preso em regime semiaberto. Mas seus advogados entraram com pedido de liberdade nesta quinta-feira (16).
No julgamento anulado, Bida havia sido condenado a 30 anos de prisão, em 2010. Esse havia sido o terceiro julgamento enfrentado por ele em razão do caso Dorothy.
O primeiro ocorreu em 2007, quando Bida foi condenado a 20 anos de reclusão, o que permitiu a seu advogado pedir à Justiça um novo julgamento, realizado em 2008. Dessa vez, o fazendeiro foi absolvido.
Já em 2010, a defesa do fazendeiro não compareceu ao terceiro julgamento e "forçou" o Tribunal do Júri de Belém (PA) a suspender a análise do caso e a nomear defensor público para Bida.
O novo júri foi marcado para 12 dias depois e o defensor nomeado disse no julgamento que não teve tempo de analisar os 26 volumes do caso --com cerca de 2.000 páginas.
Isso deu margem para o advogado de Bida recorrer ao STF argumentando que não houve chances de ampla defesa.
José Batista, da CPT, que atuou como assistente de acusação no processo contra Bida, afirma que é preciso mais "critério" para avaliar o motivo de os advogados não terem analisado o processo. "Não é só assim, dizer que não deu tempo de analisar e pronto", disse.
O promotor público do Pará, Edson Cardoso, que acompanha o caso desde o início, disse ontem que espera que o novo julgamento do fazendeiro seja remarcado ainda neste ano.
"Espero que ele ocorra até outubro", disse Cardoso, que afirma não ter provas a acrescentar contra Bida, que responde a acusações feitas com base em provas testemunhais. No processo, não há laudos técnicos que provem a participação do fazendeiro no crime.
REVÓLVER
Novas informações sobre o caso podem surgir de uma investigação da Corregedoria da Polícia Civil do Pará, que apura se o revólver 38 usado para matar Dorothy foi dado por um ex-delegado de Anapu (722 km de Belém), onde houve o crime.
O promotor, porém, diz que as suspeitas sobre o fornecimento da arma "servem mais para atrapalhar que para ajudar na resolução do caso".
Para o novo julgamento, o advogado de Bida, Arnaldo Lopes, disse que acrescentará a declaração de um presidiário que afirma ter sido assediado em setembro de 2011 por agricultores sem terra. Eles pressionaram o preso a assumir que um celular encontrado em sua cela tinha Bida como destinatário, segundo o defensor.
A declaração mostra que "o pessoal do lado de Dorothy está mal intencionado", segundo o advogado. "Queriam incriminar meu cliente e em troca ofereceram advogados de defesa para libertar o preso. Essa declaração é bombástica".
MISSIONÁRIA
Dorothy Stang foi morta aos 73 anos, com seis tiros a queima roupa, em 12 de fevereiro de 2005, durante uma emboscada numa estrada de terra em Anapu (766 km de Belém).
O local do crime fica próximo a um lote de terra que ela queria que fosse desapropriado para criação de assentamento.
O tiros foram dados por Rayfran das Neves Sales, que estava acompanhado por Clodoaldo Batista. Eles trabalhavam para Aimar Feijoli, o Tato, que tinha um pedaço de terra no lote que a missionária queria que virasse assentamento.
Tato vendeu a terra para Bida, que a revendeu e, depois, comprou a área de volta, de Regivaldo Pereira Galvão, conhecido como Taradão.
Rayfran, Clodoaldo e Tato confessaram participação no crime, respectivamente, como autor, coautor e intermediário entre os executores e mandantes.
Rayfran e Tato cumprem pena. Clodoaldo está foragido.
Bida e Taradão foram condenados como mandantes do crime, o que negam. O julgamento de Taradão ocorreu em 2010, e ele também foi condenado a 30 anos de prisão.
Taradão foi solto em agosto do ano passado, após conseguir habeas corpus. O advogado dele, Jânio Siqueira, afirmou que o novo julgamento "vai ser a oportunidade de esclarecer as autorias duvidosas".
"Também estamos esperando a anulação do julgamento de Regivaldo, por parte do STF e do STJ [Supremo Tribunal de Justiça], já que houve cerceamento de defesa. No júri foram apresentadas provas surpresas", disse.