Folha de S. Paulo


Ministra diz que processo de demarcações de terras indígenas tem falhas

Convocada pela bancada ruralista a dar explicações na Comissão de Agricultura da Câmara, a ministra Gleisi Hoffmann (Casa Civil) admitiu nesta quarta-feira (8) falhas da Funai (Fundação Nacional do Índio) no processo de demarcação de terras indígenas.

A ministra chamou de "crenças irrealistas" as críticas à construção da hidrelétrica de Belo Monte (PA).

Casa Civil pede suspensão de demarcação de terras indígenas no PR
Dilma é vaiada por ruralistas em Campo Grande (MS)

Guilherme Pupo/Folhapress
Ministra Gleisi Hoffmann
Ministra Gleisi Hoffmann

Apesar das críticas à Funai, o governo nega que a presidente da fundação, Marta Maria Azevedo, será afastada do cargo. Segundo o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência), a intenção da presidente Dilma Rousseff é mantê-la no governo.

"Nós vamos trabalhar, a presidente da Funai está muito empenhada com isto, não é verdade que a Marta vai ser demitida, não procede, nós seguiremos trabalhando. O ministro José Eduardo Cardozo [Justiça] está tomando medidas para ajudar também nesta questão", disse Carvalho depois de participar de seminário no Senado.

Aos deputados, Gleisi reconheceu que há problemas na demarcação de terras indígenas. "Delegamos única e exclusivamente à Funai a responsabilidade por estudos e demarcação de terras. Nem sempre estabelecemos procedimentos claros e objetivos nesse processo", disse.

"A atuação da Funai tem se pautado pelo que ela é: protetora envolvida com questões indígenas. A intervenção do Estado brasileiro como garantidor e mediador de direito resta comprometida. Muitas vezes no processo de demarcação é baixa em estratégia e informação", completou.

Segundo a ministra, um dos problemas da Funai seria realizar os estudos para demarcação das áreas sem avaliação externa "dando início a conflitos traumáticos para ambos os lados".

A tensão entre índios e ruralistas, que gerou críticas ao governo, é atribuída pelo Palácio do Planalto à atual direção da Funai, que estaria fazendo estudos sobre demarcação de algumas reservas para índios sem avaliar corretamente seus impactos e procedência. Insatisfeita, a presidente Dilma estaria disposta a trocar o comando da entidade.

Gleisi reforçou que o governo criou um grupo de trabalho para analisar a questão do modelo de demarcação. A ideia é ampliar os órgãos do governo ouvidos nos estudos. "O governo busca equilíbrio", disse.

Sobre a criação de uma CPI para investigar a Funai, ela afirmou que essa decisão cabe ao Congresso. A ministra defendeu o pedido feito pela Casa Civil ao Ministério da Justiça para a suspensão de estudos da Funai referentes à demarcação de terras indígenas no Paraná, seu reduto político. Ela negou que a medida tenha viés político. Ela informou ainda que não recebeu nenhuma demanda sobre São Paulo.

Segundo Carvalho, o governo vai trabalhar para assegurar tanto os direitos dos índios quanto daqueles que ocuparam terras que são hoje produtivas. "De um lado há que se atender os direitos indígenas, de outro lado não se pode violentar os direitos daqueles que foram de boa fé estimulados a ocupar terras e hoje produzem nessas terras", afirmou.

O ministro afirmou que o impasse deve ser resolvido com "bom senso", sem uma "guerra civil ou antagonismo entre pobres". "Dos dois lados nós temos pobres e cidadãos brasileiros, ambos com direitos."

Segundo Gleisi, o país conta hoje com mais de 110 milhões de hectares de terras indígenas e 90 áreas em estudos pela Funai.

ATAQUES

Mesmo com uma fala cuidadosa, a ministra fez provocações durante a audiência ao tratar da usina de Belo Monte, que na semana passada teve seu canteiro de obras invadidos por 150 indígenas.

"Não podemos negar que há grupos que usam os nomes dos índios e são apegados a crenças irrealistas, que levam a contestar e tentar impedir obras essenciais ao desenvolvimento do país como é o caso da hidrelétrica de Belo Monte. O governo não pode concordar com propostas irrealistas que ameaçam ferir a nossa soberania e comprometer o nosso desenvolvimento", disse.

Gleisi cobrou ainda do Supremo uma posição sobre os recursos que tratam da reserva Raposa Serra do Sol, que, segundo ruralistas, podem ter reflexo em outras demarcações.

"Tenho certeza de que órgão responsável por essa decisão que lhe confere a nossa Constituição, o Supremo não deixará a nação por muito mais tempo sem a orientação devida, explicitando à sociedade e ao governo o caminho a seguir. Pior do que seguir o caminho que podemos discordar é a ausência dele", disse.
Em sua fala inicial de 20 minutos, Gleisi adotou um discurso protocolar, sem polêmicas e tentando afagar a plateia de produtores e indígenas que lotam a comissão. Ela está acompanhada do ministro Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral da União) e foi recebida por líderes governistas.

A ministra, no entanto, subiu o tom e se irritou quando foi questionada sobre a importância da agricultura ao governo. "Não admito que o senhor questione a seriedade do governo", afirmou, sendo vaiada.

Ela reagiu: "Não admito que questionem qual a importância para o governo da agricultura. A importância é enorme. Não viemos para o embate entre governo e agricultura. Se a Constituição fosse clara e cristalina, não estaríamos vivendo essa situação. Se temos e queremos resolver, precisamos serenar os ânimos. Vim com essa disposição", disse.

DEMARCAÇÃO

Carvalho afirmou que o governo não acha necessário transferir ao Congresso o debate sobre a demarcação de terras por ser uma prerrogativa do Executo.

Para Carvalho, não é momento de deputados e senadores discutirem uma PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre demarcações.

"O Legislativo efetivamente participa, nós podemos manter o processo de consultas, agora não entendemos necessário que essa lei seja aprovada, no sentido de tirar do Executivo essa prerrogativa, que é constitucional", afirmou.

A ideia do governo, segundo Carvalho, é ampliar o diálogo com os parlamentares para juntos encontrarem uma solução conjunta para a crise. O ministro disse que a determinação do Palácio do Planalto é respeitar a lei, com diálogo e consultas aos índios, sem a radicalização por parte dos indígenas.

"Não passaremos por cima de nenhum direito. Agora, a legalidade tem que se fazer valer. Nós não aceitamos que os canteiros sejam invadidos, que as obras necessárias para o país sejam interrompidas, nós não aceitamos, estamos dialogando para resolver isso, mas a lei precisa valer para todos."


Endereço da página:

Links no texto: