Folha de S. Paulo


Comissão da Verdade decide exumar corpo de ex-presidente João Goulart

A Comissão Nacional da Verdade decidiu exumar, com autorização da família, o corpo do ex-presidente João Goulart -- morto em 1976 durante exílio na Argentina.

O processo de exumação será feito com o auxílio do Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul, já que Goulart está enterrado no cemitério de São Borja, município do Estado.

TRAJETÓRIA DE JANGO
1918
Nasce João Goulart em São Borja (RS)
1947
Com o apoio de Getúlio, é eleito deputado estadual
1955
É eleito vice para chapa de JK (PSD)
1960
É eleito vice de Jânio Quadros
1961
Com a renúncia de Jânio, Jango toma posse, mas sob regime parlamentarista. Em 1963, recupera os poderes
1964
É deposto pelos militares e se exila no Uruguai
1973
É convidado pelo presidente argentino, Juan Perón, para lhe ajudar a expandir as exportações de carne em Buenos Aires
1976
Ameaçado por terroristas de direita, Jango deixa Buenos Aires e vai para Mercedes, onde morre

'É um grande primeiro passo', diz filho de Jango sobre exumação do pai

No dia 18 de março, em audiência da Comissão em Porto Alegre, a família do ex-presidente entregou uma petição requerendo a exumação dos restos mortais com o objetivo de apurar se ele foi envenenado, denúncia feita por Mário Neira Barreiro, ex-agente do serviço de inteligência uruguaio, preso no Brasil.

Na audiência, Rosa Cardoso, uma das integrantes da Comissão da Verdade, afirmou que a petição dos Goulart possui "elementos concludentes" de que ele foi vítima da Operação Condor (ação conjunta das ditaduras da América do Sul).

O documento é assinado, entre outros familiares, pelo neto dele, Christopher Goulart.

O ex-presidente foi deposto em 1964 pelos militares, que iniciaram naquele ano uma ditadura de 21 anos no Brasil.

FILHO

O filho do ex-presidente João Vicente Goulart, 56, disse que a medida é "um grande primeiro passo" para esclarecer as causas da morte de seu pai. "Foi uma luta muito grande", afirmou à Folha.

Presidente do Instituto João Goulart, ele afirma que desde 2006 a família pede ao Ministério Público Federal que investigue o episódio.

Segundo ele, Goulart foi morto com a ingestão de uma cápsula envenenada, misturada aos remédios que ele tomava diariamente contra problemas cardíacos. O ex-agente uruguaio confirmou os fatos num depoimento à Polícia Federal, em 2008.

"Nós ficamos estupefatos", conta o filho do ex-presidente. "Jango é um bem cultural e imaterial da nação brasileira, e é uma obrigação do Estado brasileiro fazer essa investigação."

ETAPAS

Segundo a procuradora da República Suzete Bragagnolo, a exumação integra a investigação solicitada pela família, em 2006, que ainda está em andamento e apura a responsabilidade civil pelo caso. O inquérito criminal foi arquivado porque o crime de homicídio prescreveu, de acordo com a lei brasileira.

A Procuradoria ainda vai definir se o pedido de exumação pode ser feito administrativamente, por uma solicitação ao cemitério de São Borja, ou precisa ser encaminhado à Justiça. Isso vai depender do que diz a legislação municipal da cidade em que Goulart está enterrado.

A família já concedeu a autorização para a exumação, mas fez algumas exigências, como o acompanhamento de todo o processo e a participação de peritos argentinos na autópsia.

Na Argentina, a morte do ex-presidente também está sendo investigada pela Justiça, só que criminalmente, já que o caso foi considerado imprescritível.

Além da Argentina, o governo do Uruguai, segundo Bragagnolo, também será convidado a participar da exumação. "São governos interessados a esclarecer os fatos da Operação Condor [aliança entre ditaduras da América do Sul]", diz a procuradora.

TÉCNICA

Segundo a área técnica da Polícia Federal, consultada especificamente sobre o caso, o resultado da exumação vai depender muito do estado em que o corpo se encontrar e do tipo de substâncias supostamente utilizadas para envenenar Goulart.

"Existe uma possibilidade de descobrir algo? Existe. Mas também existe uma boa possibilidade de o laudo ser inconclusivo", comenta Bragagnolo. "O importante é fazer esse resgate da história do país."

Nas próximas semanas, o Ministério Público Federal irá definir a equipe de peritos que conduzirá a análise e os reagentes químicos a serem utilizados.

"Seria muito lamentável e doloroso não investigarmos a morte de um ex-presidente", afirma João Vicente, que atribui o andamento do caso à "pressão" feita pela Comissão Nacional da Verdade e pela ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos).

O inquérito hoje em andamento no Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul chegou a ser arquivado em 2011, por ter se mostrado "inconclusivo", mas seu desarquivamento foi ordenado pela Procuradoria da República em Brasília no ano seguinte.

Colaborou ESTELITA CARAZZAI, de Curitiba

abr.1964/Arquivo Pessoal
João Goulart, em seu exílio no Uruguai, é fotografado pela mulher, Maria Thereza
João Goulart, em seu exílio no Uruguai, é fotografado pela mulher, Maria Thereza

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