Folha de S. Paulo


Ministério Público denuncia ex-agente da ditadura por ocultação de cadáver

O Ministério Público Federal denunciou nesta segunda-feira (29) o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado aposentado Alcides Singillo pelo crime de ocultação do cadáver do estudante de medicina Hirohaki Torigoe, 27, morto em janeiro de 1972, em São Paulo.

Natural de Lins (SP), Hiroaki Terigoe foi militante da ALN (Aliança Libertadora Nacional) e do Molipo (Movimento de Libertação Popular), e participou de ações armadas contra a ditadura. Era um dos nomes mais procurados pela repressão em São Paulo.

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A versão oficial para a morte de Torigoe, na época, foi a de que o estudante sofreu ferimento em troca de tiros com agentes da repressão na rua Albuquerque Lins, no bairro de Higienópolis, e morreu a caminho do hospital.

Mas a morte do estudante só foi divulgada duas semanas após o ocorrido, e Torigoe foi enterrado no cemitério Dom Bosco, em Perus, sob o nome falso de Massahiro Nakamura.

Ana Carolina Fernandes-9.out.08/Folhapress
Carlos Alberto Brilhante Ustra, no Clube Militar em 2008
Carlos Alberto Brilhante Ustra, no Clube Militar em 2008

Na denúncia, os procuradores contestam a versão oficial e afirmam que Terigoe foi levado ainda com vida para o DOI-Codi, onde foi interrogado e torturado. A acusação é baseada no depoimento de duas testemunhas --André Tsutomu Ota e Francisco Carlos de Andrade-- que estavam presos no DOI-Codi naquela data.

Os procuradores afirmam ainda que, de acordo com as testemunhas e um documento do Arquivo Público de São Paulo, os agentes responsáveis pela prisão de Terigoe sabiam de sua verdadeira identidade. Mesmo assim, o estudante foi enterrado com nome falso, com o objetivo de dificultar sua localização.

Os autores da ação também citam depoimento de irmão da vítima, Shunhiti Torigoe, segundo o qual os subordinados de Ustra negaram fornecer informações a familiares da vítima, que foram o procurar no DOI-Codi antes do comunicado oficial de sua morte.

Até hoje, o corpo de Terigoe não foi localizado. A família tentou fazer a identificação dos restos mortais que estariam enterrados sob o nome falso de Nakamura, no cemitério de Perus, mas nenhum dos exames confirmou a identidade do estudante.

Esta é a primeira vez que o Ministério Público denuncia ex-agentes da ditadura pelo crime de ocultação de cadáver. Até então, as acusações eram de sequestro, uma vez que não havia provas da morte da vítima.

O caso de Terigoe é diferente, porque a morte dele foi confirmada em laudo necroscópico e atestado de óbito, mas seu corpo nunca foi encontrado, explica o procurador da República Sérgio Suiama, um dos autores da denúncia.

Segundo Suiama, o crime não está anistiado, uma vez continua em andamento. "A ocultação é um crime permanente, que só se exaure quando for localizado o corpo. Como até hoje não foi localizado, o crime ainda continua em andamento", disse.

ACUSAÇÕES

Ustra chefiou o DOI-Codi de 1970 a 1974. Na denúncia apresentada pelo Ministério Público, ele é acusado de sepultar clandestinamente o cadáver de Hirohaki Torigoe; de falsificar os documentos do óbito com o intuito de dificultar a localização do corpo; de ordenar a seus subordinados que negassem aos pais da vítima informações sobre seu paradeiro e de adiar a divulgação da morte em duas semanas, com o objetivo de ocultar o cadáver.

O delegado aposentado Alcides Singillo, que na época era delegado do Dops, é acusado de negar a correta identificação e localização do corpo à família da vítima e ao cartório de registro civil onde o óbito foi registrado.

Segundo a acusação, Singillo sabia da verdadeira identidade de Terigoe, pois colheu o depoimento do verdadeiro Massahiro Nakamura, que procurou a delegacia após a notícia de que Torigoe usava seu nome.

"Essa tentativa de destruir os vestígios, inclusive ocultando o corpo, foi bem-sucedida porque até hoje os restos mortais não foram encontrados", afirma Suiama.

A ação não trata, contudo, da autoria e detalhes sobre as circunstâncias da morte de Terigoe, que ainda estão em apuração pelo Ministério Público.

OUTRAS DENÚNCIAS

Ustra é réu em uma ação na Justiça Federal pelo suposto crime de sequestro qualificado contra o corretor de valores Edgar de Aquino Duarte, em junho de 1971.

Uma segunda denúncia do Ministério Público Federal contra Ustra --pelo desaparecimento do líder sindical Aluízio Palhano, em 1971-- não foi aceita, e a Procuradoria já afirmou que vai recorrer ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

OUTRO LADO

O advogado de Ustra, Paulo Alves Esteves, disse que seu cliente nega as acusações.

Paulo afirmou que, se há um atestado de óbito com nome falso, não estaria sob a responsabilidade de Ustra, que chefiou o DOI-Codi, mas seria uma competência do Dops.

A Folha não conseguiu localizar Alcides Singillo até a publicação desta notícia.

(PATRÍCIA BRITTO)


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