Folha de S. Paulo


Congresso reage e vai recorrer de decisão de ministro do Supremo

Em uma dura resposta à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de suspender o projeto que inibe a criação de novos partidos, os presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acusaram o Judiciário nesta quinta-feira de "intromissão" no Poder Legislativo.

Eles reclamam de decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender temporariamente a tramitação do projeto sobre que reduz a fatia das novas siglas no fundo partidário e no tempo de propaganda em rádio e TV. O projeto já foi aprovado na Câmara e está em discussão no Senado.

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Renan disse que há uma "crise" entre os dois Poderes ao anunciar que o Congresso vai recorrer contra a decisão, tomada ontem de forma liminar por Mendes. O despacho do ministro do STF ocorreu horas depois de avançar na Câmara uma proposta que retira poderes do Supremo.

"Da mesma forma que nós nunca influenciamos decisões do Judiciário, nós não aceitamos que o Judiciário influa nas decisões do Legislativo. Nós consideramos isso uma invasão e vamos entrar com agravo regimental que é, sobretudo, para dar ao Supremo oportunidade para fazer uma revisão dos seus excessos", afirmou Renan.

Leia a íntegra da decisão do Supremo de suspender o projeto
Leia a proposta que submete decisões do STF ao Congresso

No mesmo tom, Henrique Alves afirmou que o Congresso não aceita "essa intromissão" do Judiciário e vai reagir contra medidas arbitrárias tomadas por um outro Poder.

"Não aceitamos essa intromissão em nossa competência. Esta Casa não interfere na maneira de votar dos ministros, dos senhores do Supremo. Também não concordamos que interfiram aqui no nosso processo correto, constitucional e regimental de prestar os nossos votos", afirmou Alves.

Os presidentes da Câmara e do Senado vão apresentar ainda hoje um agravo regimental ao STF para pedir que a Corte reveja a decisão, que foi baseada em pedido do senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) para a suspensão do projeto.

"Nós temos outros instrumentos, mas sem querer agravar a crise, a separação dos Poderes, vamos primeiro entrar com um agravo regimental. Nós não queremos agravar a relação. É inconcebível que haja uma tentativa de influir no andamento do processo legislativo", afirmou Renan.

A reação à decisão do ministro, que foi indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para o STF, foi articulada ao longo do dia por Renan e Henrique Alves. Renan teve sucessivas reuniões com aliados, como Gim Argello (PTB-DF), Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o líder do governo, senador Eduardo Braga (PMDB-AM), antes de decidir subir o tom contra o STF.

Pedro Ladeira/Folhapress
Renan Calheiros (à esq.) e Henrique Eduardo Alves criticaram decisão que suspendeu andamento de projeto no Congresso
Renan Calheiros (à esq.) e Henrique Eduardo Alves criticaram decisão que suspendeu andamento de projeto no Congresso

RETALIAÇÃO

O presidente do Senado disse não acreditar que a decisão de Mendes seja uma retaliação à aprovação, pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, de uma proposta de emenda à Constituição que submete decisões do STF ao Congresso.

"A decisão da CCJ foi de uma comissão, não foi de um Poder. Não vamos acreditar numa coisa dessas [retaliação]. É preciso compreender a complexidade da separação dos Poderes. A separação dos Poderes não pode se resumir em uma mera questão emocional", afirmou Renan.

A CCJ da Câmara aprovou na manhã de ontem projeto que submete decisões do STF ao crivo dos congressistas, vista por ministros da Corte como resposta a julgamentos que desagradaram parlamentares --como o mensalão.

A proposta foi duramente criticada por Mendes nesta quinta-feira, que considerou a medida "inconstitucional". Em um clima de acirramento de ânimos, o ministro afirmou que, se a proposta for aprovada, "é melhor que se feche o Supremo".

"O que ficou entendido nesse episódio é o fato de uma matéria dessa gravidade ter sido aprovada por aclamação, por votação simbólica, sem uma manifestação em sentido contrário. É constrangedor, eu acredito, por uma comissão que se chama de Constituição e Justiça. Onde está a constituição e a justiça nesta comissão?", disse. "[A proposta] é inconstitucional do começo ao fim, de Deus ao último constituinte que assinou a Constituição. É evidente que é isso. Eles rasgaram a constituição. Seria impossível. Se um dia essa emenda vier a ser aprovada é melhor que se feche o Supremo Tribunal Federal".

Mais cedo, em um gesto de distensão no que classificou de abalo entre os Poderes, Alves comprometeu-se a adiar a instalação de uma comissão para estudar a proposta, que ainda precisa ser aprovada pelo colegiado antes de ir a votação no plenário.

"O Judiciário pode entender que [o Congresso] está interferindo em seus poderes, na relação de harmonia que tem que haver entre Judiciário e Legislativo. Foi uma decisão que nos surpreendeu e estou verificando, mas como a comissão especial nos compete instalar enquanto não houver essa coisa clara, transparente, respeitosa, não farei."

Editoria de Arte/Folhapress

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