Folha de S. Paulo


Fux relata no STF processo polêmico de amigo advogado

Apesar de ter se declarado oficialmente impedido de julgar casos do escritório do advogado Sérgio Bermudes, o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), é relator de um importante caso tributário que tem o defensor como representante de uma das partes. Fux é amigo íntimo do advogado e sua filha, Marianna Fux, trabalha no escritório.

O processo sob relatoria do ministro trata de um recurso sobre cobrança dupla do imposto estadual, o ICMS, nas compras feitas pela internet. O caso em questão envolve, de um lado, o Estado de Sergipe e, do outro, a empresa B2W (que reúne sites como Americanas.com, Submarino e Shoptime), representada por Bermudes.

STF diz que Fux julgou ações de escritório de amigo por 'falha'
Ministro Luiz Fux cancela festa que seria paga por advogado

Em novembro do ano passado, Fux proferiu um voto no sistema interno do tribunal reconhecendo a repercussão geral do caso, transformando-o em um recurso que, apesar de tratar de um caso específico de Sergipe, terá efeitos genéricos para todo o Judiciário.

"A meu juízo, o recurso merece ter reconhecida a repercussão geral, haja vista que o tema constitucional versado nestes autos é questão relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, e ultrapassa os interesses subjetivos da causa, uma vez que as vendas via comércio eletrônico repercutem na economia pelo volume de operações e impacta financeiramente o orçamento dos entes federados", disse Fux em seu voto. O reconhecimento dessa repercussão foi aprovado por unanimidade pelos ministros do Supremo.

O reconhecimento desse mecanismo, porém, não significa qualquer juízo de valor sobre a causa.

Andre Borges/Folhapress
O ministro Luiz Fux durante sessão do Supremo Tribunal Federal
O ministro Luiz Fux durante sessão do Supremo Tribunal Federal

A polêmica ocorre pois as empresas precisam pagar ICMS em seu Estado de origem e depois são cobradas também na unidade federativa para onde o produto foi enviado. Em alguns Estados, inclusive, a encomenda é retida em um galpão do governo local e o comprador só consegue liberar sua compra se ele próprio pagar o imposto também pago na origem.

O tema está em debate no Congresso Nacional e já existem algumas ações de inconstitucionalidade no próprio Supremo que contestam essa prática.

IMPEDIMENTO

Assim que tomou posse como ministro, Fux enviou à Secretaria do tribunal um documento, comunicando formalmente seu impedimento, "por motivo de foro íntimo", para julgar os processos do escritório de Sérgio Bermudes, entre outros.

Mas, como a distribuição de processos ocorre de forma eletrônica, foi avisado que o próprio gabinete deveria se declarar impedido nos casos que julgar necessário. Na maioria dos processos isso ocorre, mas neste específico, não aconteceu.

Em fevereiro deste ano, Fux enviou o caso para que o procurador-geral da República se manifestasse, o que não ocorreu até o momento.

Questionado pela Folha, o gabinete informou, por meio da assessoria do tribunal, disse que, quando a repercussão geral foi concedida "não foi observado naquele momento que se tratava de um caso de impedimento do ministro Luiz Fux", mas disse que agora o processo será encaminhado à presidência da Corte para que a relatoria seja transferida. "Dessa forma, o processo será redistribuído, passando a ser relatado por outro ministro", diz o gabinete.

Também esclarece que "a decisão proferida não representa um posicionamento do ministro quanto à questão de fundo".

Na edição desta quarta-feira, o jornal "O Estado de S. Paulo" publicou outros casos envolvendo o escritório de Bermudes em que Fux atuou ou relatou ao longo dos últimos anos. Tratavam-se de julgamentos ocorridos na 2ª Turma do tribunal ou decisões monocráticas, uma delas que o ministro votou contrariamente aos interesses de seu amigo.

'ERRO OPERACIONAL'

Nesta quarta-feira, o STF divulgou uma nota, dizendo que "a eventual participação do ministro Fux em processos patrocinados pelo Escritório Sérgio Bermudes decorreu de falha no sistema de verificação que não indicou o impedimento comunicado. Trata-se de falha operacional que será prontamente solucionada com a adoção de novos mecanismos de controle".

A relação de Fux e Bermudes ganhou destaque na semana passada, após a coluna Mônica Bergamo, da Folha, revelar que o advogado ofereceria uma festa para comemorar os 60 anos do ministro. Após a revelação, a festa foi cancelada.

ADVOGADO

Bermudes afirmou que o seu escritório possui centenas de casos em tribunais superiores e os magistrados recebem anualmente milhares de processos, também com milhares de páginas. "O juiz muitas vezes, no dia a dia, não se atenta ao fato e deixa passar. Só o Supremo recebe por ano mais de 80 mil processos."

Ele explicou que Fux, ao enviar um ofício para evitar o recebimento de processos da sua filha, acabou generalizando o impedimento a todo o escritório de Bermudes. Ele, no entanto, defende que a amizade não seja motivo para gerar impedimento ou suspeição. "Quantos acórdãos na Justiça dizem que a amizade entre juiz e advogado não gera a suspeição e o impedimento. Isso porque são profissionais que convivem num mesmo ambiente", afirmou.


Endereço da página:

Links no texto: