Folha de S. Paulo


Ex-ministro de Lula diz que instituto não vai interferir por assentados

O ex-ministro Luiz Dulci, diretor do Instituto Lula, afirmou nesta quarta-feira que considera justa a causa dos assentados que ocupam a sede da entidade desde o início da manhã, mas que o instituto não vai interferir junto ao governo.

"Esperamos que o movimento entenda que, se queria dar visibilidade à causa, talvez já tenha conseguido. Mas o instituto não interfere em decisões de governo. Não só nesta área como em nenhuma outra", disse.

Moradores do assentamento Milton Santos invadem Instituto Lula em SP
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Cerca de cem pessoas ameaçadas de despejo do assentamento Milton Santos, localizado entre Americana e Cosmópolis (interior de SP), invadiram por volta das 6h30 desta quarta-feira o Instituto Lula, no Ipiranga, zona sul de São Paulo.

Segundo representantes do assentamento, o grupo quer fazer com que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva interceda por eles junto à presidente Dilma Rousseff para que assine um decreto de desapropriação por interesse social, para encerrar disputas pela propriedade da área.

Os moradores do assentamento foram notificados por um oficial de Justiça para desocuparem a área até o dia 30 deste mês. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) também já foi notificado sobre a medida.

Dulci relatou que o presidente do instituto, Paulo Okamotto, conversou com o ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, após a reunião que teve com os manifestantes. Segundo Dulci, Okamotto informou sobre a ocupação e recebeu informações sobre o movimento.

Ele disse ainda que o ministério afirmou ter entrado na Justiça com um novo recurso em defesa da permanência dos assentados na área em litígio.

O ex-ministro defendeu também que a negociação aconteça diretamente entre o movimento e o governo. "Não faz sentido ocupar o Instituto Lula porque não é uma decisão que possa ser tomada. O instituto não vai interferir, já que a negociação está aberta e os órgãos competentes estão atuando e empenhados em resolver a questão."

Os manifestantes afirmaram mais cedo que pretendem ficar no local até que a solicitação seja atendida. Eles ocuparam a sede do instituto de maneira pacífica. O grupo negociou a entrada com o caseiro que estava no prédio.

Duas viaturas da polícia estão paradas em frente à sede, mas não foi feita nenhuma ação.

Dulci, que teve acesso ao prédio, disse que não houve danos ao local.

Leia abaixo a íntegra do comunicado do assentamento sobre a ocupação:

Chegamos a uma situação limite.

Somos 68 famílias que, depois de anos e anos de luta, fomos assentadas num terreno de 104 hectares localizado entre os municípios de Americana e Cosmópolis. Este terreno pertenceu à família Abdalla, ricos empresários que perderam o a área durante a ditadura militar por dívidas trabalhistas.

Em 2006, o presidente Lula e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) nos instalaram no Sítio Boa Vista. Desde então, para a consolidação deste assentamento, depositamos tudo o que tínhamos: nosso trabalho e nossa vida na produção de alimentos saudáveis, sem o uso de agrotóxicos. Passamos por inúmeras dificuldades para produzir. Mesmo assim, passo a passo, conseguimos estabelecer parcerias com mais de 40 entidades e escolas através do Programa Doação Simultânea. E, hoje, temos orgulho de dizer que somos uma comunidade que fornece mais de 300 toneladas de alimentos para a região metropolitana de Campinas.

Após consolidarmos nossas vidas nesta terra com o suor de anos de trabalho e dedicação, recebemos em maio de 2012 a notícia de que a família Abdalla, aliando-se à Usina Ester, havia recuperado as terras na justiça e ganho o seu direito de posse. A justiça federal, então, emitiu um aviso ao INCRA de que deveríamos ser retirados em prazo determinado, caso contrário, haveria a reintegração de posse do terreno.

O INCRA moveu vários recursos em vão. Realizamos audiências com os representantes do órgão, que afirmavam que não sairíamos do assentamento e que, se fosse preciso, seria assinado o decreto de desapropriação por interesse social. Fizemos reunião com representantes do governo federal; e estes também garantiram que o problema seria resolvido, sem que precisássemos deixar nossas casas. No entanto, o tempo passou e nada mudou. Ao contrário, para a nossa aflição, aproxima-se a data em que assistiremos à destruição do esforço de toda uma vida: nossas casas, nossas plantações, nossos sonhos.

Sabemos que todas as possibilidades jurídicas já foram esgotadas e que o destino de nossas famílias depende, isto sim, da vontade política de quem pode decidir. Também sabemos que não nos resta outra alternativa senão um grito de apelo.

Lembramos que há exatamente um ano, em um quadro bastante semelhante, 1600 famílias foram brutalmente despejadas da área do Pinheirinho. Um representante político como Lula, que agora tem a honra de batizar uma instituição que zela pelo "exercício pleno da democracia e a inclusão social", não pode permitir que uma situação dessas se repita.

Lula foi o Presidente da República que, em 2006, assinou a concessão do terreno do Assentamento Milton Santos para fins de reforma agrária. Todo processo ocorreu com o seu conhecimento e do órgão do governo federal responsável pelo assunto, o Incra.

Confiamos que o peso de sua figura política seja capaz de interceder em favor de nós, assentados, e estabelecer um diálogo mais direto com a presidente Dilma Rousseff, para que esta se disponha a nos receber pessoalmente em uma audiência e assine o decreto de desapropriação por interesse social.


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