Folha de S. Paulo


Kant aborda a moralidade em novo livro da Coleção Folha

A Coleção Folha Grandes Nomes do Pensamento lança, no domingo (5), a "Crítica da Razão Prática", de Immanuel Kant (1724-1804), contribuição do filósofo para o entendimento da moralidade.

Publicado originalmente em 1788, o livro é um estudo sobre a liberdade –elaborado com a mesma metodologia adotada pelo pensador alemão em sua análise do conhecimento humano.

De fato, a grande contribuição de Kant em sua "Crítica da Razão Pura" (1781) foi ter demonstrado que só podemos conhecer o objeto do conhecimento porque nós próprios o criamos.

Para Kant, a mesma coisa sucede na esfera da moral: é o sujeito que cria sua própria lei. As normas morais não são regras impostas aos indivíduos, a partir de fora, por uma autoridade qualquer: são leis produzidas livremente pelos próprios homens.

A esfera da moralidade não constitui, portanto, uma estrutura inerte, introjetada nas pessoas por meio da repressão e da vigilância, e sim um produto das ações humanas, passível de aprimoramento infinito. Daí a plasticidade do sistema legal, que nunca cessa de evoluir, precisamente porque nasce das contribuições de todos.

Contudo, se os indivíduos são os criadores da moral, como as diferentes vontades individuais podem se compatibilizar? Como é possível que pessoas com interesses diferentes deem origem a uma verdadeira comunidade?

A resposta está na razão: uma norma de conduta individual pode ganhar a adesão de todos se promover o respeito mútuo e a dignidade humana. Mas, para isso, é necessário que cada um se comporte de modo que sua ação se converta numa regra válida universalmente.

Assim, a lei fundamental da razão prática é: "Age de tal modo que a máxima de tua vontade possa sempre valer ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal".

Ninguém é livre quando obedece aos seus instintos –quando submete sua consciência a inclinações determinadas pela natureza. Paradoxalmente, o indivíduo só alcança a liberdade quando obedece às leis nascidas de sua razão, pois estas não são estranhas ao homem.

E como devemos julgar as ações? Pelas suas intenções. Como escreve Kant em sua "Fundamentação da Metafísica dos Costumes", a "boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza", mas é boa em si mesma.

Não é possível avaliar a moralidade de um ato apenas por suas consequências, pois os homens podem praticar boas ações tendo em vista interesses egoístas. Segundo Kant, é preciso avaliar as ações por sua origem: a boa vontade é aquela que age por puro respeito ao dever.

A doutrina de Kant foi alvo de muitas críticas. O sociólogo Max Weber sustentava que, ao ignorar os resultados previsíveis de seus atos, os adeptos dessa "ética da convicção" frequentemente obtinham resultados opostos aos pretendidos –e criticava os revolucionários que, com suas atitudes, provocavam um endurecimento da repressão.

Mas essas críticas só levam em conta o presente. A curto prazo, diz Maquiavel, "o que importa é o êxito", e os meios usados para conquistar o Estado "serão sempre julgados honrosos".

Kant, ao contrário, tem em vista o futuro, pois considera que a lei moral tem de ser válida em todas as circunstâncias. Muitos políticos astutos conseguiram conquistar o Estado, mas depois foram esquecidos, porque aquilo que era considerado válido numa época deixou de sê-lo na seguinte. Enquanto isso, alguns revolucionários fracassados seguem vivos na memória coletiva –porque a boa vontade é sempre boa.

Reprodução/Folha
Coleção Folha Grandes Nomes do Pensamento - Kant

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