Folha de S. Paulo


MARCOS KÖHLER

O governo precisa injetar mais recursos na Caixa Econômica Federal? SIM

Samuel Costa - 26.mai.2015/Folhapress
S?O PAULO, SP, BRASIL, 26-05-2015:Agencia da Caixa Economica federal, situada na rua Palmeiras, n238. (Foto: Samuel Costa/Folhapress REVISTA SP) ***EXCLUSIVO FOLHA****
Agência da Caixa Econômica Federal no centro de São Paulo

O Acordo de Basileia III requer dos acionistas de bancos manutenção de capital próprio suficiente para cobrir os riscos esperados nos seus ativos. Essa regra impõe à Caixa um dilema: levantar capital adicional ou diminuir a concessão de empréstimos. A segunda opção implica reduzir o crédito habitacional para a baixa renda.

A exigência de capital próprio determinada por Basileia III cumpre dois papéis na contenção de riscos. Primeiro, obriga à formação de um colchão capaz de absorver a inadimplência e outros riscos do negócio bancário (descasamento de taxas de juros ou de câmbio, de prazos, etc.); segundo, induz a gestões mais prudentes: quanto mais os acionistas tenham a perder, mais comedida tem de ser a gestão.

De forma simplificada, esse colchão de segurança é a soma dos recursos dos acionistas —patrimônio líquido— e de dívidas "subordinadas" —que não dão ao credor precedência sobre os demais em um caso de quebra.

Grosso modo, apura-se esse valor pela aplicação de um percentual de 13% sobre o total de ativos ponderados pelo risco. Os fatores de ponderação variam para cada tipo de ativo. Tipicamente, financiamentos comuns têm fator 100%; empréstimos habitacionais com hipoteca, 35%; e operações compromissadas com o BC têm risco zero, para citar alguns exemplos. Ajustes técnicos intrincados levam ao resultado final.

No caso da Caixa, em vista de suas funções peculiares e de a União ser sua única acionista, faz sentido aplicar os critérios padronizados de Basileia III em todas as suas operações? Talvez não.

A insuficiência de capital regulatório da Caixa se deve, de um lado, ao fato de executar quase sozinha os programas de habitação popular, como o Minha Casa, Minha Vida, todos de baixa rentabilidade; de outro, ao excesso de dividendos pagos à União em governos passados.

A Caixa foi descapitalizada para inflar o resultado primário do Tesouro e esconder a deterioração fiscal que ocorria.

Uma alternativa à capitalização, com inspiração nos EUA, seria reduzir os fatores de ponderação nos financiamentos de programas de habitação popular. Com isso, a Caixa se reenquadraria em Basileia III.

De fato, os títulos dos entes públicos americanos que atuam no crédito habitacional —como a Ginnie Mae (GM)— têm pesos e atributos favoráveis nas regras de Basileia III. Os da GM têm ponderação de risco zero e são computados sem desconto na "razão de cobertura de liquidez" (LCR), um indicador prudencial crítico.

A Caixa e o FGTS, na prática, gozam de garantia de última instância da União, o que afasta o risco sistêmico. O reenquadramento pela redução dos fatores de ponderação seria uma alternativa mais racional do que a de tomar recursos do FGTS para garantir seus próprios créditos.

Essa solução deveria ser condicionada a avanços na governança da Caixa e à adoção de critérios de avaliação de desempenho que considerem a atipicidade de suas funções.

No médio prazo, o ideal seria a constituição de seguradora federal de créditos habitacionais, nos moldes da FHA americana, o que atrairia instituições privadas para o financiamento habitacional de baixa renda, com prováveis ganhos de eficiência e maior disciplina.

Qualquer resposta que se dê à insuficiência de capital da empresa deve reconhecer que não há alternativa realista à Caixa para execução do Minha Casa, Minha Vida no curto prazo. Desativá-la nessa função implica interromper o próprio programa. Uma escolha duríssima.

MARCOS KÖHLER, economista com passagem pelo Banco Central, é consultor legislativo no Senado

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