Folha de S. Paulo


OCTAVIO AMORIM NETO

O semipresidencialismo é uma boa alternativa para o Brasil? SIM

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 05-12-2017, 12h00: O presidente Michel Temer acompanha o presidente da Bolívia Evo Morales na saída do palácio do planalto após cerimônia de assinatura de atos, parte da visita oficial de Evo ao Brasil. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O presidente Michel Temer após um evento no Palácio do Planalto

SIM, MAS COM RESSALVAS

O semipresidencialismo é um sistema de governo cuja constituição estabelece um chefe de Estado diretamente eleito pelo povo e um primeiro-ministro e um gabinete dependentes da confiança parlamentar. Essa é a definição dada por Robert Elgie, hoje amplamente aceita pela ciência política.

Há duas formas de semipresidencialismo, segundo Matthew Shugart. Em primeiro lugar, existe o regime premiê-presidencial, em que o primeiro-ministro e o gabinete são coletivamente responsáveis apenas perante o Parlamento. Há também o regime presidencial-parlamentar, sob o qual o primeiro-ministro e o gabinete são coletivamente responsáveis perante tanto o Parlamento quanto o presidente.

Vários estudos constatam ser a primeira forma superior à segunda quanto ao desempenho governamental e à qualidade da democracia. Isso se deve, sobretudo, ao fato de que o modelo presidencial-parlamentar tende a gerar intensos conflitos no seio do Poder Executivo. Essa é lição fundamental para o atual debate constitucional brasileiro.

As razões pelas quais o semipresidencialismo deve ser adotado dizem respeito à necessidade de institucionalização das virtudes do presidencialismo de coalizão e de retificação de seus defeitos.

O objetivo essencial do semipresidencialismo é o aprimoramento das condições de governabilidade ou, mais precisamente, fortalecer os incentivos para uma permanente coordenação entre o Executivo e o Legislativo por meio do cargo de primeiro-ministro e de um gabinete dependentes da confiança parlamentar, mas mantendo a eleição direta para presidente.

Nosso atual sistema de governo não garante a reiteração do relativamente eficaz presidencialismo de coalizão criado por FHC e seguido por Lula em seu segundo mandato. Sob as regras da Carta de 1988, temos fracas defesas contra desastrosas presidências imperiais, como as de Collor e Dilma.

O semipresidencialismo criaria grandes barreiras à emergência de tais presidências e permanentes incentivos para a formação e condução efetivas de governos de coalizão. Obviamente, sob o novo sistema de governo, o chefe de Estado jamais seria tão influente quanto é hoje.

Outra razão seria a de termos, pela primeira vez em nossa história, um poder arbitral ou moderador lastreado pelo voto popular. Desde a independência, tal poder foi exercido pelo monarca até 1889, pelas Forças Armadas entre 1889 e 1988, e, desde então, pelo Judiciário e Ministério Público. Nenhum desses órgãos ou atores foi ou é eletivo.

A arbitragem protagonizada por magistrados e procuradores é extremamente controversa e frequentemente disfuncional, conquanto muito superior e preferível à que foi exercida pelas Forças Armadas.

O projeto de semipresidencialismo em elaboração parece marchar no sentido de criar um regime premiê-presidencial, o que é positivo. Porém, abriga dispositivos que consignam ao presidente um papel excessivo no processo governativo, ao conferir-lhe a competência de propor leis ordinárias e complementares e de vetar total e parcialmente projetos de lei.

Essas atribuições abrem espaço para que o presidente venha a competir com o primeiro-ministro pelo controle da agenda legislativa do Congresso, o que certamente geraria graves conflitos no seio do Poder Executivo.

Como visto acima, isso não seria saudável. Ou se alteram tais dispositivos ou é melhor ficarmos com o diabo que já conhecemos, o presidencialismo puro.

OCTAVIO AMORIM NETO, professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape), da Fundação Getulio Vargas, e pesquisador-visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa em 2017-2018, é coorganizador de "O Semipresidencialismo nos Países de Língua Portuguesa"

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