Folha de S. Paulo


ANDRÉ STURM

Novo oligopólio?

Flaviano Vaz Fotografia/Divulgação
Legenda: Da esquerda para a direita: Juliana Soares, Gullane Filmes; Sergio Floris, Netflix; Felipe Braga, Los Bragas; Pedro Aguilera, Showrunner; Claudia Augustinis, Netflix; Marcos Prado, Zazen Produções; Maria Angeles de Jesus, Netflix; Tiago Mello, Boutique Filmes; Marcelo Pereira, Combo Estúdio; Beto Gauss, Prodigo Films; Rodrigo Teixeira, RT Features; Francesco Civita, Prodigo Films; Andrea Barata Ribeiro, O2 Filmes; Diego Avalos, Netflix; Marcelo Galvão, Gatacine; KondZilla, Diretor; Leo Monteiro de Barros, Conspiração Filmes; Lourenço Sant'Anna, RT Features; Tereza Gonzalez, Porta dos Fundos; Rita Moraes, Los Bragas; Ted Sarandos, Netflix; Fabio Gullane, Gullane Filmes; Renata Brandão, Conspiração Filmes
Netflix reúne produtores em São Paulo para discutir produção brasileira

Como um tsunami, o VOD (Video on Demand) invadiu nossas vidas. Acabou a experiência de ir à locadora na sexta-feira e escolher filmes. Agora você entra numa plataforma, escolhe, paga um valor ou tem uma assinatura e pronto: assiste a seu filme.

Ruim para as locadoras, mas ampliou muito o acesso das pessoas aos filmes produzidos em todo o mundo. Boa notícia? Deveria ser. Mas, como tudo o que envolve o audiovisual, o que começa bem logo tende para o oligopólio de forma agressiva.

A digitalização dos cinemas é um triste exemplo. Acreditou-se que resultaria em mais diversidade, pois eliminaria o custo das cópias. Entretanto, as empresas americanas inventaram o VPF (mais caro que as cópias 35mm), e os lançamentos, antes de 600-700 cópias, passaram para mil, chegando a 1.400!

No Brasil todo, há menos de 3.500 salas. Quem já não chegou ao cinema e viu que, embora existam dez salas, apenas quatro ou cinco filmes estão em cartaz? Desapareceram os filmes adultos, que ficam limitados aos poucos cinemas "de arte" que conseguem sobreviver.

Por enquanto, as plataformas de VOD estão isentas de qualquer regulamentação. A Ancine abriu diálogo para definir regras que garantam a variedade de títulos e a diversidade de plataformas, com espaço para grandes operadores internacionais como Netflix, mas também para operadores nacionais.

Em São Paulo, lançamos a Spcine Play em novembro para oferecer filmes brasileiros que tiveram pouca exibição. Em qualquer cidade do país (mais de 5.000 não têm cinemas), as pessoas terão acesso ao catálogo.

Não podemos permitir que poucos megaoperadores internacionais determinem o mercado. Caso não se garantam agora equilíbrio e diversidade, teremos situação semelhante à do mercado de salas. Ruim para o mercado, pior para os consumidores, reféns da oferta e do preço desses operadores.

O VOD é bem diferente do mercado de TV paga, no qual, após anos, conseguiu-se uma cota de tela para a produção nacional. Num espaço em que há a limitação das 24 horas por dia, abriu-se efetivo mercado à produção nacional ao se garantir 3,5 horas por semana –devido ao sucesso, muitos canais exibem horas a mais do que estipula a lei.

Em países como França e Itália, parte da receita das plataformas de VOD deve ser obrigatoriamente investida na coprodução ou aquisição de direitos de produtos nacionais. Por não ter limitação de espaço, a "cota de tela" é desnecessária, pois, prejudicaria o espaço para produções não hollywoodianas.

Ao impor que parte da receita seja investida em produtos nacionais, a plataforma tem total liberdade de escolher o produto que mais se encaixa em seus interesses.

Fortalece-se a indústria, geram-se empregos e impostos. E, fundamental, garante-se a diversidade. Ao contrário dos demais mercados (cinema, TV...), não se pode pensar em cobrar taxa sobre títulos: blockbusters pagariam facilmente essas taxas, e títulos menores seriam excluídos.

Além disso, pequenas plataformas também teriam dificuldade em arcar com esses custos. Uma taxa percentual sobre a receita é muito mais adequada: 2% do faturamento de uma megaplataforma é proporcionalmente igual a 2% do faturamento de uma pequena. Garante-se equilíbrio no mercado.

Este tema é tão relevante que, há duas semanas, numa reunião do Conselho Superior de Cinema, com a presença de nove ministérios, a representante da MPA (entidade que representa interesses do cinema de Hollywood) declarou, para espanto de todos: "Não vim aqui apresentar propostas. Somos contra qualquer regulamentação e impediremos qualquer tentativa."

Temos que estar unidos como sociedade, indústria e governo para garantir que novamente não sejamos presas de uma política selvagem, extrativista e excludente. Garantir espaço nesse mercado que cresce a cada dia é fundamental. E tem que ser agora, antes que a oportunidade passe.

ANDRÉ STURM, cineasta, é secretário municipal de Cultura de São Paulo; de 2011 até 2016, foi diretor-executivo do Museu da Imagem e do Som e seu curador

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