Folha de S. Paulo


Editorial

O limite das cotas

Divulgação/Coletivo Negrada
Membros do Coletivo Negrada, que afirma ter identificado 40 falsos cotistas, na Universidade Federal do Espírito Santo
Ativistas do movimento negro na Universidade Federal do Espírito Santo

Levantamento realizado pela Folha mostrou que ingressantes na universidade pela porta das cotas têm, na conclusão dos estudos, desempenho razoavelmente semelhante ao dos não cotistas em 31 dos 64 cursos analisados.

Nestes, as notas que os cotistas obtiveram no Enade –exame do Ministério da Educação a que os concluintes são submetidos a cada três anos– situaram-se em um intervalo de 5% acima ou abaixo da média de todos os formandos.

Em dois cursos, os beneficiados por ações afirmativas saíram com vantagem de mais de 5% sobre a média; em outros 31, ficaram mais de 5% abaixo. Quando se consideram à parte os que entraram pelo sistema de cotas raciais, o resultado é pior. Em 22 casos, eles estão mais de 10% abaixo da média.

Trata-se de um cenário de copo meio cheio e meio vazio; os números, de todo modo, servem para afastar previsões catastrofistas segundo as quais os cotistas chegariam ao ensino superior tão despreparados que não teriam condições de acompanhar os demais.

Tomando como base as notas do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), usadas para definir o acesso à universidade, verifica-se que a disparidade entre os desempenhos se mostra maior na entrada, diminuindo ao longo do curso.

É preciso apontar, porém, que a base de dados apresenta limitação importante por se valer do Enade, avaliação sabidamente problemática. O aluno é obrigado por lei a comparecer à prova, mas não tem nenhum compromisso com a nota, uma vez que não será computada em seu currículo.

Deste modo, nem todos os formandos o fazem com seriedade, o que sempre levanta dúvida sobre a consistência dos resultados.

Afora tal ressalva, pode-se afirmar que cotas sociais são preferíveis às raciais, mas ambas não passam de paliativos para as deficiências do ensino básico.

O mecanismo funciona como resposta emergencial a uma demanda social legítima; todavia pouco resolve a defasagem na formação de grupos desfavorecidos e traz o risco de tirar o sentido de urgência com que é preciso enfrentar o problema da qualidade.

Deve-se lembrar que mesmo as mais generosas políticas afirmativas ajudam a elite dos estudantes pobres e negros, isto é, aqueles que já estão mais próximos de obter vaga pela seleção convencional.

Para que seja contemplada a grande massa de excluídos, aqueles que mal aprendem a ler ou não concluem a etapa básica da vida escolar, não há atalhos que contornem as reformas da educação.

editoriais@grupofolha.com.br


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