Folha de S. Paulo


editorial

O fator Jerusalém

Kevin Lamarque/Reuters
U.S. President Donald Trump holds up the proclamation that announces the United States recognizing Jerusalem as the capital of Israel and moving its embassy there, during an address from the White House in Washington, U.S., December 6, 2017. REUTERS/Kevin Lamarque ORG XMIT: WAS202
Trump exibe documento que determina a mudança da embaixada dos EUA em Israel para Jerusalém

Se os envolvidos em uma negociação mantêm uma estratégia ao longo de anos e o processo não avança, urge fazer algo diferente. Imbuído de tal raciocínio, Donald Trump rompeu uma das linhas mestras da política americana para a questão israelo-palestina ao reconhecer oficialmente Jerusalém como capital de Israel.

O anúncio implica a mudança de local da embaixada dos Estados Unidos, hoje em Tel Aviv. Trata-se de inflexão radical na mediação de um conflito prolongado.

Pelo plano de partilha das Nações Unidas, que em 1947 previa um Estado para os judeus e outro para os palestinos, Jerusalém ficaria sob gestão internacional. Em respeito a isso, a grande maioria dos países que têm relações diplomáticas com os israelenses fixou sua representação em Tel Aviv.

Se os EUA deixam de lado essa premissa, sua condição de fiador do diálogo entre as partes resulta seriamente comprometida.

Afinal, a mudança atende a uma antiga reivindicação de Israel, em especial do premiê Binyamin Netanyahu, cuja base de centro-direita demonstra pouco interesse em negociar com o lado palestino.

Naturalmente, houve indignação entre as nações do Oriente Médio, e o risco de um novo ciclo de violência na região fez as demais potências condenarem a ação, vista como tomada de partido. Quanto ao Brasil, que abriga harmoniosamente comunidades árabes e judaicas, a equidistância se mostra a melhor política a longo prazo.

Uma vez mais, o republicano cumpre uma promessa de campanha, assim como tem feito com a retirada de seu país de acordos internacionais. Outros ocupantes da Casa Branca cogitaram a mesma medida quando candidatos, mas nenhum se dispôs a mudar o que anos de diplomacia consolidaram.

Para Trump, transferir a embaixada é somente "o reconhecimento de uma realidade". Com efeito, o centro do poder de Israel está em Jerusalém, sede do Executivo e do Parlamento. Líderes mundiais nem passam por Tel Aviv nas visitas ao país. Desconsiderar o peso dos simbolismos nessa contenda, porém, pode se revelar um risco.

Sagrada para o islamismo, o judaísmo e o cristianismo, Jerusalém constitui o ponto mais delicado para que se chegue a um acordo de paz. Depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, dividiu-se entre a parte ocidental, controlada por Israel, e a oriental, de maioria árabe, mas sem soberania da Autoridade Nacional Palestina.

Sua administração, pois, deveria ser objeto de discussão somente após israelenses e palestinos entrarem em consenso sobre outros temas mais prementes, como as colônias judaicas em territórios destinados a um Estado palestino, inclusive em Jerusalém Oriental.

Ressalve-se que Trump não endossou a atual delimitação de fronteiras e manteve o apoio à solução de dois Estados —a melhor alternativa, no entender desta Folha.

Pode não ser o bastante, no entanto, para compensar o que se afigura um perigoso erro de cálculo.

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