Folha de S. Paulo


DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA/RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA

Consciência negra

ABPN/Divulgacão
Participantes do 3ª Congresso de Pesquisadores Negros, em Florianópolis
Participantes do 3ª Congresso de Pesquisadores Negros, em Florianópolis

A semana da Consciência Negra é uma conquista dos movimentos populares que não aceitaram comemorar a liberdade em 13 de maio, considerada uma data mais ligada à "generosidade" da princesa Isabel. Por isso, desde os anos 70, já haviam escolhido, como símbolo de luta, o dia 20 de novembro, elegendo a morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, como símbolo da resistência à escravidão.

A partir de então, as reivindicações dos movimentos organizados começaram a surtir efeito, a exemplo do que ocorrera décadas antes com a questão feminina, entre outras. As discussões sobre cotas ganharam o Congresso e surgiram normas legais para promover a inclusão dos afrodescendentes no mercado de trabalho, nas universidades e até nos anúncios de publicidade, de forma a refletir a composição multirracial da população.

É inegável que existe uma dívida social em relação aos negros, que foram arrancados de sua terra natal para trabalhar como escravos nas lavouras do Brasil e de outros países do Novo Mundo, em especial nos séculos 18 e 19.

O resgate dela passa pela construção de uma sociedade justa que, necessariamente, terá como um dos fundamentos o princípio da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, independentemente de cor, orientação sexual ou credo religioso. Mas, apesar de alguns avanços, o país ainda está distante deste ideal.

Não há como negar que grande parte dos afrodescendentes ainda sofre, de forma mais aguda e com maior amplitude, as vergonhosas consequências da desigualdade socioeconômica que continua a punir as camadas mais pobres.

Foram elas que subiram os morros cariocas, que habitam as periferias das cidades e que, em muitos casos, não têm condições de chegar à universidade e a bons empregos.

Há aqueles que conseguiram, com esforço próprio, vencer a barreira da discriminação racial, velada ou não, ou os grandes ídolos negros do esporte e da música. Mas o que falta para que um país como o Brasil, fruto de secular miscelânea de povos, consiga assegurar oportunidades iguais a todos?

Na minha visão, a redução do imenso fosso da desigualdade social vai além da discussão em torno de sistemas de cotas ou de ajudas emergenciais, como o Bolsa-Família. Ela passa, necessariamente, pela adoção de políticas públicas de igualdade social sérias, embasadas em propostas voltadas ao resgate da cidadania.

Uma cidadania que nasce do acesso ao trabalho, remunerado de forma a assegurar condições dignas de vida a todos os segmentos da população. Isso além de, acima de tudo, valorizar a cultura negra e sua importância na construção da identidade nacional.

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA é presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e do Conselho Superior de Estudos Avançados da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)

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