Folha de S. Paulo


RODRIGO HÜBNER MENDES

Uma só chama em Tóquio-2020

Eduardo Knapp/Folhapress
RIO DE JANEIRO, RJ, 05.08.2016: RIO-2016 - Vanderlei Cordeiro de Lima recebe a tocha olímpica de Hortência na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio 2016, no estádio do Maracanã. (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress)
Vanderlei Cordeiro de Lima recebe a tocha olímpica de Hortência na abertura dos Jogos do Rio-2016

Como os Jogos Olímpicos podem ser mais ambiciosos quanto ao legado social que geram para o mundo? Minha aproximação a esse universo foi um desdobramento natural de um projeto que venho desenvolvendo desde 2013. Na ocasião, o Unicef me convidou para pensar sobre uma iniciativa que pudesse aproveitar o momento da Copa do Mundo e da Olimpíada no Brasil para incentivar as escolas a repensarem a educação física.

E por que isso? Como sabemos, essa disciplina ainda é muito pautada pela competição e pelo alto desempenho. Isso faz com que muita gente seja excluída. Quem nunca foi ou testemunhou alguém sendo deixado de fora numa prática esportiva? A proposta do Unicef era mudar essa visão a partir da premissa de que todo estudante deveria participar, se desenvolver e se divertir.

Como resultado, criamos um curso de formação sobre educação física inclusiva que tem sido frequentado por educadores das cinco regiões do país. Cada participante assume o compromisso de criar aulas que viabilizem a interação de todos.

O projeto é financiado pela Fundação FC Barcelona e já impactou diretamente mais de 150.000 pessoas por meio de ações que englobam práticas pedagógicas, atividades de gestão escolar e políticas públicas inclusivas.

Esse projeto é um exemplo concreto de legado positivo gerado pelos megaeventos realizados em nosso país. Por conta dele, acabei me envolvendo bastante com a Olimpíada do Rio. Tive a alegria de conduzir a tocha olímpica e, no fim do ano passado, fui ao Japão a convite do Fórum Econômico Mundial para participar de um seminário.

O objetivo era discutir como a próxima Olimpíada pode ampliar o seu impacto social. Dividi o palco com membros do comitê dos Jogos em 2020 e, ao fim do debate, a mediadora me perguntou: "Rodrigo, o que você acha que Tóquio pode mudar nesse sentido?"

Resumindo minha resposta, penso que a criação de um espaço específico para atletas com deficiência foi uma conquista histórica do movimento mundial em busca de garantia de direitos para tais pessoas.

Indiscutivelmente, tem propiciado uma projeção global do tema, colaborando para tirá-lo da invisibilidade. No entanto, a separação completa dos Jogos, entre Olímpicos e Paralímpicos, vai na contramão da ideia de uma sociedade inclusiva. Que mensagem transmitimos ao mundo segregando os atletas pelo fato de terem, ou não, uma deficiência?

Além disso, o ato de se apagar a pira olímpica e, depois de algumas semanas, se acender a pira paralímpica só reforça essa mensagem negativa.

Em 2006, as Nações Unidas publicaram a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento que define diretrizes internacionais sobre esse segmento da população, hoje representado por cerca de 1 bilhão de pessoas.

Uma das premissas dessa Convenção é a convicção de que não devemos mais tolerar qualquer tipo de discriminação baseada nas diferenças humanas. Mais de 150 países assinaram esse tratado, assumindo o compromisso de respeitar seus princípios e implementar medidas que viabilizem a construção de uma sociedade inclusiva e igualitária.

Considerando que as Olimpíadas são o maior evento do mundo e que suas cerimônias são vitrines para bilhões de pessoas, gostaria de reforçar minha proposta para Tóquio. Mudanças na história pedem símbolos.

Proponho, então, que usemos a mesma tocha, a mesma pira e, o mais importante, que mantenhamos a chama acesa entre os dois Jogos. Só assim, a chama olímpica vai avançar na magnitude de seu papel de representar a igualdade entre os seres humanos. Sonhemos com uma única chama em 2020 –#OneFlameTokyo2020.

RODRIGO HÜBNER MENDES, 46, é fundador do Instituto Rodrigo Mendes, que desenvolve programas de educação inclusiva. É mestre em administração pela Fundação Getulio Vargas, membro do Young Global Leaders (Fórum Econômico Mundial) e empreendedor social Ashoka

PARTICIPAÇÃO

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