Folha de S. Paulo


VIJAY RANGARAJAN E MICHEL MIRAILLET

O Brasil em missões de paz da ONU —a cobra ainda está fumando

Danilo Verpa -31.ago.2017/Folhapress
PORTO PRINCIPE - HAITI - 31.08.2017 - Cerimonia de encerramento das atividades do exercito brasileiro em Porto Principe no Haiti. (Foto: Danilo Verpa/Folhapress, MUNDO)
Cerimônia de encerramento das atividades do Exército brasileiro no Haiti

Havia um ditado, popular no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, que dizia: "mais fácil uma cobra fumar um cachimbo do que a FEB embarcar para o combate". De fato, antes de a Força Expedicionária Brasileira entrar em combate na Itália, a expressão "a cobra vai fumar" era constantemente usada para descrever algo improvável.

A FEB, contudo, conseguiu rebater as críticas e inverter a situação, tornando-se uma força militar forte e profissional. Passaram a se chamar de Cobras Fumantes e a vestir um símbolo que mostrava uma cobra fumando um cachimbo. Hoje, quando consideramos a liderança militar brasileira em missões de paz, essa expressão ainda tem uma conotação positiva.

O ano de 2017 testemunhou o fim e o sucesso da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), a maior missão de paz brasileira: foram 13 anos, 13 parceiros regionais e 37.000 oficiais brasileiros.

Neste 15 de novembro, o ministro da Defesa do Brasil, Raul Jungmann, se encontrará em Vancouver com colegas de mais de 80 países e organizações para fortalecer futuras missões de paz da ONU.

O Reino Unido e a França estarão lá para reforçar a importância da participação do Brasil, já que este ano marca os 70 anos de participação brasileira em operações de missões de paz. Isso representa um grande feito e uma enorme contribuição para a paz mundial.

A comunidade internacional percorreu um longo caminho desde as primeiras missões de paz, e o objetivo continua atemporal: tirar países de conflitos. No entanto, missões como a Minustah demonstram o quão mais avançadas e eficazes as missões de paz se tornaram.

Sem descartar a possibilidade de fazer uso da força quando necessário, os pacificadores brasileiros, com sua famosa "diplomacia do futebol", trabalharam com comunidades locais para recuperar o poder de Cité Soleil das gangues armadas e reconstruir a força da polícia haitiana. Eles focaram nas raízes do conflito e abriram as portas para a cooperação em agricultura, infraestrutura e saúde.

A força em números ajudou, mas a lição que o Brasil demonstrou a todos os países contribuintes de tropas foi que treinamento importa. Sem isso, teria sido impossível para os pacificadores brasileiros superar os desafios de múltiplos desastres humanitários.

É por meio do excelente centro de treinamento para missões de paz no Rio, o CCOPAB (Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil), que o Brasil continua a compartilhar lições com o mundo e garantir que novas questões, como gênero, sejam incorporadas ao treinamento para missões de paz. Temos orgulho do trabalho que a França e o Reino Unido vêm realizando com o CCOPAB nesse sentido.

Conquanto tudo isso deva, certamente, ser celebrado, não estamos falando, ainda, em "missão cumprida". Há, e continuará a haver, países com necessidade urgente de missões de paz. A África continua sendo um dos principais cenários para operações de paz, de Mali ao Sudão, da República Centro-Africana à Somália.

E, no centro de tudo isso, estão os civis, que são afetados por conflitos, guerra e desastres. Todos compartilhamos a ambição de minimizar seu sofrimento.

É por essa razão que agora, mais do nunca, as Nações Unidas precisam das habilidades, do capital humano e da coragem dos pacificadores brasileiros —para "os cobras" continuarem fumando.

VIJAY RANGARAJAN, mestre em matemática e doutor em astrofísica pela Universidade Cambridge, é embaixador do Reino Unido no Brasil
MICHEL MIRAILLET, diplomata de carreira, é embaixador da França no Brasil

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